Praias fechadas por ricos são alvo de disputa judicial na Califórnia

Grade de metal e guarda impedem entrada de pessoas que não pagam anuidade de US$ 100 em Santa Cruz. Em outro caso, apresentado à Suprema Corte dos EUA, dono de propriedade de luxo quer impedir passagem; lei estadual de 1976 garante livre acesso.


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Surfista abre portão de acesso à Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP

Como os 2.000 km de costa californiana, esta discreta enseada de areia branca supostamente é aberta a todos. Mas uma grade de metal e um guarda que impedem o acesso, exceto para quem paga uma taxa de US$ 100 dólares, indicam o contrário.

Pública ou não? A chamada Privates Beach (praia privada), situada na costa de Santa Cruz, é alvo de uma intensa batalha legal que deve decidir sobre este tema.

A uma hora de carro para o norte, acontece a mesma coisa com Martin’s Beach, onde surfistas e membros da comissão do litoral lutam há uma década para preservar o acesso público ante as intenções de um magnata do setor informático.

Desde que comprou uma propriedade de mais de 21 hectares em 2008 (por US$ 32,5 milhões), Vinod Khosla, cofundador da Sun Microsystems, busca por todos os meios impedir a passagem à praia através de seus terrenos, e acaba de apresentar o caso ante a Suprema Corte dos Estados Unidos.

Ambos os casos são ilustrativos dos obstáculos permanentes entre o cidadão comum e a costa californiana, cujo livre acesso é garantido desde 1976 por uma lei do estado.

Foto aérea da Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP

Foto aérea da Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP

“Não para, é uma pressão constante”, lamenta Pat Veesart, que supervisiona a implementação desta lei no norte da Califórnia. “As pessoas que têm dinheiro suficiente para comprar uma propriedade na beira do mar sempre estão buscando formas de isolá-la ainda mais”.

Paraíso perdido

Toda a costa da Califórnia está envolvida nessa questão, particularmente Malibu, no sul, onde muitas celebridades têm suas casas na “praia dos bilionários” e apelam a todo tipo de artifícios para complicar o acesso às pessoas comuns.

Vigilantes privados, falsas placas de proibido estacionar, cones de trânsito colocados ao longo das vias ou procedimentos judiciais intermináveis: segundo Linda Locklin, diretora do programa de acesso ao litoral do estado, “alguns não se detém ante nenhum obstáculo para evitar a passagem do público”.

Em sua defesa, os proprietários alegam seu direito à tranquilidade, acusando os visitantes de deixarem lixo, cometerem atos de vandalismo e causarem outros problemas.

Um homem que não quis revelar seu nome mostra seu cartão de acesso à Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP
Um homem que não quis revelar seu nome mostra seu cartão de acesso à Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP

“Desde que existe este caminho, é como se as portas do inferno estivessem abertas”, queixa-se o cineasta Michael Lembeck, apontando o acesso de pedestres a partir da estrada para a praia de um lado de sua propriedade em Malibu, aberta em 2015.

Antes “isto era um paraíso. Muitas pessoas se mudaram, e nós poderemos ser os próximos”, afirma à AFP.

Para o policial Sean Johansen, a cerca e o direito de acesso “não são grande coisa”.

“Se houvesse um acesso aberto, isso provavelmente atrairia para a praia pessoas pouco recomendáveis, ‘sem teto’ e talvez até mesmo pessoas que consomem estupefacientes”, diz Johansen, que acaba de surfar com um colega na Privates Beach de Santa Cruz.

Surfistas deixam a Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP
Surfistas deixam a Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP

Assim como várias outras pessoas entrevistadas pela AFP na praia, ele pensa que quem não quer ou não pode pagar os US$ 100 por ano simplesmente têm que ir embora.

“Há muitos outros lugares para onde ir”, acrescenta Jeff Lebeouf, um morador. “Sempre foi assim, e acredito que deveria continuar sendo”.

“Um pouco da nossa alma”

Nem Vinod Khosla nem seus advogados puderam ser contatados pela AFP. Mas o empresário explicou recentemente ao “The New York Times” que suas ações eram “por uma questão de princípios”, mais que por apego a sua casa ao sul de San Francisco.

Os defensores do direito ao livre acesso tampouco desistem, mas temem que a apelação ante o Supremo, se for admitida, crie um infeliz precedente.

Placa adverte sobre taxa de acesso à Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP
Placa adverte sobre taxa de acesso à Privates Beach de Santa Cruz, na Caifórnia, no dia 19 de setembro — Foto: Josh Edelson/AFP

“A praia é um pouco a nossa alma. Aqui de verdade é, tradicionalmente, um lugar para se encontrar”, diz a californiana Noaki Schwartz, porta-voz da Comissão Costeira.

Por enquanto, Martin’s Beach segue aberta ao público. Mas os surfistas que a frequentam sabem que isso poderia mudar da noite para o dia se a ação avançar nos tribunais.

“Isto permitiria aos indivíduos incrivelmente ricos comprarem os terrenos ao longo da costa, e pouco a pouco, transformar um espaço público em propriedade privada”, insiste Eric Buescher, um advogado que representa a Surfrider Foundation, que se opõe a Vinod Khosla.

“É como se alguém comprasse todos os edifícios em volta do Central Park de Nova York, e depois declarasse: ‘Bom, agora o Central Park me pertence!'”

Fonte: G1

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