A intimidação intelectual cria distanciamentos significativos nas relações

Considero intimidação intelectual quando a pessoa usa o saber que tem para exercer domínio, ou superioridade, causando sentimento de humilhação no outro. Confira a reflexão da jornalista, psicóloga e psicanalista clínica Dirce Becker Delwing


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Foto: Ilustrativa / Pixabay

Na última noite do congresso, um grupo de participantes decidiu fechar o evento com um jantar. Eram seis pessoas e eu estava entre elas. Quando me convidaram, me senti honrada. Só feras no meio em que atuam. Um deles, inclusive, era um dos palestrantes do evento. Pela condição social da turma, entendi que seria num lugar requintado e, óbvio, o luxo estaria incluído no preço. Nessa hora, estar de posse de um cartão de crédito pode nos salvar do constrangimento de não ter dinheiro o suficiente para pagar a conta do restaurante.

Tudo estava indo bem até que o garçom trouxe o cardápio. As ofertas gastronômicas em destaque não me agradavam, por conta disso, decidi pedir um prato separado para mim, risoto de tomate seco. Fiquei encabulada diante dos demais pedidos, que foram feitos em porções coletivas. Lulas, polvos e moluscos. A pior parte ainda estava por vir. A hora em que chegou a carta de vinhos. Todos logo se apossaram de uma cartela e passaram a divagar, em voz alta, sobre as melhores escolhas para acompanhar os pratos.

O sommelier trazia as bebidas e a turma fazia as análises: a superfície da rolha em relação ao bico da garrafa, a região de origem, o ano da safra, a cor do líquido, a temperatura, rótulo. Como não entendo de vinhos, fiquei quieta o tempo todo. Lá pelas tantas, um dos integrantes da mesa passou a conversar comigo num tom mais baixo. Entre outras coisas, disse que, para ele, o que importa mesmo é se o vinho é suave e se não dá dor de cabeça. Pronto. Alguém tinha critério semelhante ao meu. Se antes estava me sentindo um pássaro fora do ninho, agora, tinha companhia.

Conto essa história para refletir sobre deselegâncias que a gente pode cometer quando está num grupo e supõe que todos tenham as mesmas vivências. Se a conversa gira em torno de viagens internacionais, se uma das pessoas do grupo nunca saiu do país, ela pode se sentir desenturmada. Quando o assunto é intelectualmente rebuscado e uma das pessoas não tem acesso ao mesmo conteúdo, ela poderá se sentir um peixe fora d’água.

Falo de deselegância porque suponho que as pessoas não se dão conta de que alguém pode ter ficado constrangido, ou com sensação de inferioridade.

Considero intimidação intelectual quando a pessoa usa o saber que tem para exercer domínio, ou superioridade, causando sentimento de humilhação no outro.

Agora, elegância de alto padrão teve aquele integrante do jantar que percebeu meu desconforto e, para que me sentisse melhor, fez de conta que também não entedia de vinho. Soube, tempos depois, que o sujeito é um expert no assunto.

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