As banalidades cotidianas também constituem a produção de sentido da vida

Confira a reflexão da jornalista, psicóloga e psicanalista política Dirce Becker Delwing


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Foto: Pixabay / Ilustrativa

Quando você deita à noite, pensa no dia que passou? Quais pensamentos aparecem, com frequência, na hora em que você vai dormir? Você fica analisando se o seu dia foi produtivo, se você aproveitou bem as horas? O que você considera como sendo um dia que valeu a pena viver? Muitas e muitas vezes, ou a maioria das vezes, a gente sente a satisfação de dever cumprido quando trabalhou muito, quando a coisa rendeu, como se diz. E, nos dias mais entediantes, acredita que ficou devendo algo. O que fiz hoje? Vivi ou gastei mais um dia da minha breve presença neste mundo? Mas, seria a vida interessante se todas as nossas vivências fossem produtivas e organizadas, cabíveis numa tabela de Excel?


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Nesse sentido, no livro “Filosofia do Cotidiano”, o filósofo Luiz Felipe Pondé afirma que “uma certa dose de banalidade na vida é indício de alguma saúde mental, só gente doente e chata quer ser relevante em tudo que faz”. Outra frase de conotação semelhante foi dita pelo psicanalista Contardo Calligaris: “O sentido da vida está na própria vida”. Aliás, Calligaris faleceu na semana passada.

Se a gente considerar essas duas colocações, do Pondé e do Calligaris, consegue pensar que é preciso viver cada momento sentindo o gosto daquele momento, incluídas aí as alegrias, as tristezas, as sortes, os azares e os fracassos que movimentam os nossos dias. O sentido da vida está ali, naquele espaço de tempo, não vamos encontrá-lo fora desse lugar. E, nisso a ideia do Pondé contribui para dizer que, inclusive, as banalidades cotidianas têm sua importância porque nelas também está investido o nosso vigor, a nossa energia vital. Banalidades aqui pensadas como mesmices, afazeres comuns.

Ontem, enquanto preparava a janta, por um instante, pensei em deixar os pratos na borda da mesa, cada um que se servisse. Seria mais prático e rápido. Nessa mesma hora, recuperei a ideia de que o sentido desse momento pode estar no detalhe. Se eu colocasse uma toalha na mesa, se caprichasse na arrumação da louça, era certo de que todos sentariam juntos na hora da refeição e, assim, a janta seria uma vivência da ordem do afeto. É no afeto, naquilo que toca as nossas emoções que está a possibilidade de lidar melhor com o sentimento de vazio que, em alguma medida, está em todos nós.

Nome do livro: Filosofia do Cotidiano – um pequeno tratado sobre questões menores, de Luiz Felipe Pondé

Por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista política 

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