As sacudidas da vida e seu potencial transformador

Basta um problema um pouco mais grave de saúde se instalar, que a importância das coisas se redimensiona num segundo


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Foto: Shutterstock/Reprodução

Platão disse: “Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida”. Uma bela dica, mas daquelas difíceis de colocar em prática. Muitas e muitas vezes, a vida precisa nos dar uma sacudida para valorizarmos o que temos. Vai dizer que não é assim?
Quando está tudo fluindo bem, a gente se apega aos probleminhas do dia a dia – o pneu furado, a consulta atrasada, o copo quebrado, a chuva, os cabelos brancos. Mas basta um problema um pouco mais grave de saúde se instalar, que a importância das coisas se redimensiona num segundo, e tudo aquilo que incomodava fica parecendo tão tolo que chega até a dar saudade.

Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga

Senti algo desse tipo quando eu e meus familiares tivemos covid, no início do ano passado, naquele pior momento da pandemia. Passada a crise, a qual sobrevivemos sem maiores sequelas, o prazer se revelava nas mais simples experiências. Era uma mistura de urgência de viver com tranquilidade para desfrutar.

A recuperação após uma enfermidade costuma trazer uma sensação de alegria muito mais intensa do que a própria manutenção da saúde. Isso porque, na iminência de perder algo importante – nesse caso, a própria vida ou a vida de alguém – nossas estruturas balançam a tal ponto que podem se reorganizar de outra forma.

Nas primeiras páginas do livro “O muro”, Sartre narra a experiência de um prisioneiro que aguarda sua execução, marcada para o dia seguinte. Imerso nos sentimentos aterrorizantes que o dominam, ele chega à conclusão de que quando se perde a ilusão de ser eterno, algumas horas ou alguns anos de espera dão na mesma. Entendo que se uma vivência de tal intensidade tem o poder de alterar a noção de tempo radicalmente, então pode alterar tudo, afinal, o que temos na vida se não o tempo?

O curioso é que essa nova maneira de enxergar a vida (trazida pelas dificuldades), em geral, tem um prazo de validade curto, e logo se está reclamando das mesmas bobagens de outrora. Por isso que prefiro pensar na mudança não como consequência de uma experiência, mas enquanto potencial que nós humanos carregamos: a oportunidade de nos transformarmos para melhor diante do sofrimento.

Texto por Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga

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