Servidoras públicas gestantes reforçam pedido para afastamento do trabalho presencial em Lajeado

O pedido é feito por cerca de 30 profissionais, representadas por sindicatos. Prefeitura relata dificuldade para novas contratações, principalmente na educação


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Pedido é para que gestantes atuem de forma remota (Imagem Ilustrativa / Foto: Jus Brasil / Divulgação)

Uma situação envolvendo a Lei 14.151, que determina o afastamento de mulheres gestantes das atividades de trabalho presencial durante a pandemia, publicada pelo Governo Federal em 12 de maio, tem gerado debates em Lajeado por conta de gestantes que continuam trabalhando de forma presencial no poder público municipal.

Conforme entendimento da Prefeitura de Lajeado, a regra é válida somente para contratos de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que não é o caso das cerca de 30 servidoras gestantes que solicitam o afastamento presencial neste momento. Porém, a pedido dos sindicatos dos Servidores Públicos e dos Professores Municipais de Lajeado, foi feito um acordo para publicação de um decreto que permita que as profissionais, a partir do 7º mês de gestação, possam exercer os serviços de forma remota.


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Segundo as representantes dos sindicatos, o acordo foi firmado em 29 de junho e ainda não há nenhuma decisão. O assunto foi pauta na Câmara de Vereadores na noite de terça-feira (20), através dos representantes Carlos Eduardo Ranzi e Jones Vavá, ambos do MDB. A prefeitura, por meio da secretária de Administração, Elisângela Hoss de Souza, diz que está cuidando da situação e que um dos problemas ocorre por conta da dificuldade para contratação de novos profissionais que possam ocupar os cargos antes do afastamento das gestantes. “Nós estamos tentando viabilizar está alternativa, ocorre que está sendo muito difícil, visando a falta de profissionais que possam atender principalmente o magistério”, explica.

Secretária de Administração de Lajeado, Elisângela Hoss de Souza (Foto: Tiago Silva / Arquivo Rádio Independente)

A secretária acrescenta que é preciso pensar no ideal e conseguir contemplar os dois lados da situação. “Estamos tentando compatibilizar os dois interesses, manter as aulas das crianças com os profissionais, mas também tentando buscar um entendimento quanto servidoras gestantes”, relata.

Segundo a presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Lajeado, Patrícia Cristina Rambo, o termo usado na lei foi “empregada” e isso gerou um conflito de entendimentos. “Nós, enquanto sindicatos, entendiamos que a lei iria abranger servidoras, empregas, gestantes, que seria uma proteção para mãe e para o bebê. Já a administração entendeu que só seria aplicada para empregados CLT”, informa.

Diante do cenário, foi iniciada uma conversa entre os sindicatos e a administração municipal. Neste período, após primeiro contato, conforme Patrícia, na cidade de Igrejinha, no Vale do Paranhana, uma juíza determinou que as servidoras gestantes fossem afastadas naquela cidade, e então o sindicato procurou a prefeitura novamente para saber qual seria o entendimento em Lajeado, fazendo um contato também com a Promotoria de Justiça do município, por meio do promotor Sérgio Diefenbach.

Representantes dos Sindicatos dos Servidores Públicos e dos Professores Municipais de Lajeado, Patrícia Rambo (d) e Rita de Cássia Quadros da Rosa (e) (Foto: Gabriela Hautrive)

Após as negociações, a presidente do Sindicato dos Professores Municipais de Lajeado (SPML), Rita de Cássia Quadros da Rosa, informa que foi acordado, no dia 29 de junho, que a medida seria acatada. Porém, quase um mês depois, ainda nenhuma solução foi dada. “Estamos aguardando ainda. A justificativa que veio foi que não haveriam profissionais para substituir. Fica difícil contratar nesse período do ano letivo e sabemos que, infelizmente, Lajeado não é atrativo para professores, tendo em vista a remuneração.”

A secretária de Administração também informou que o maior número de servidoras gestantes neste momento estão nas secretarias de Educação e Saúde, as quais já receberam imunização contra a Covid-19. “Lajeado foi um dos municípios pioneiros a realizar a vacinação dos profissionais do magistério, e nós constatamos que só não está vacinado nesta área, aquele profissional que optou por não fazer a vacina”, relata.


OUÇA O QUE DIZ A PREFEITURA

 


A presidente do sindicato, Patrícia Rambo, argumenta que muitas gestantes receberam orientação médica para não realizarem a vacina, e neste caso, não há como forçar as profissionais a realizarem a imunização.

Gestantes que passam pela situação

A reportagem da Rádio Independente conversou com duas mulheres gestantes, servidoras públicas que estão em atividade e passam pela situação, mas que preferiram não se identificar. Uma delas relata que está muito apreensiva diante da situação, pois foi prometido que o decreto iria sair há cerca de 15 a 20 dias atrás e até o momento não saiu. “Como já saiu o boato que a partir de agosto todas as crianças iriam retornar para escola, isso nos preocupa. Como foi acordado que a partir do 7º mês todas as gestantes poderiam se afastar, mesmo nós não se enquadrando na lei, o prefeito prometeu isso”, diz a profissional.


OUÇA RELATO DE UMA SERVIDORA GESTANTE

 


Uma outra servidora pública compartilha do mesmo sentimento de apreensão. Fala sobre as professoras gestantes que já estão trabalhando em salas de aulas com 100% de ocupação presencial e que não fizeram vacina por orientação médica. “Mesmo se fizemos a vacina, não quer dizer que não podemos contrair o vírus. Há também diversos estudos que indicam que ao contrair a Covid-19, principalmente ao 7º mês, existem agravamentos, dentre eles o parto prematuro. Nós, gestantes, não podemos tomar as medicações que são orientadas no tratamento”, relata.

A mesma profissional acrescenta que todas seguem seguindo os protocolos de saúde e cuidados impostos pela pandemia, mas sempre com medo do que poderá acontecer. “Todos os dias com o coração na mão, pois quem trabalha na Educação Infantil sabe que as crianças não conseguem a todo momento cumprir o distanciamento, choram e precisam de colo, espirram e precisam que limpamos seu nariz, tossem e esquecem de colocar a mão na frente e tiram as máscaras com frequência. Tem algumas turmas que também não estão utilizando máscara, fazem xixi na calça e precisam que sejam trocados, e assim por diante. Não podemos deixar de cumprir estas tarefas”, desabafa.

A servidora reforça que, após os pedidos e conversas entre os sindicatos e a prefeitura, espera que a administração municipal tome medidas para afastar as gestantes a partir do 7º mês como o prometido. “Será que nos servidoras públicas somos tão diferentes das com contratos CLT? Que não merecemos ficar em trabalho remoto e em segurança como diz a lei, para uma gestação segura a nós e principalmente para os nossos bebês?”, questiona.

Vejamos o que diz o texto da lei 14.151/21:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

O afastamento compulsório da gestante, garantida sua remuneração, não representa uma licença remunerada. A legislação é cristalina ao colocar a empregada gestante à disposição do empregador para executar seu labor não presencial (por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância). O legislador não dispensou, na lei 14.151/21, a empregada gestante das obrigações laborais.

Outro aspecto fundamental, sobre a norma, consiste na garantia/direito da gestante receber a sua remuneração, mesmo afastada. Como a lei não contém palavras inúteis, regra de ouro da hermenêutica/interpretação, a garantia foi de remuneração e não de salário. A remuneração compreende o salário e gorjetas. E fazem parte do salário as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A lei é compulsória para o empregador, que recebeu a incumbência/dever jurídico de afastar sua empregada gestante do trabalho presencial. Ainda que esta prefira ou tenha mais interesse em permanecer prestando serviços na empresa, não poderá dispor deste direito (princípio da indisponibilidade/irrenunciabilidade de direitos trabalhistas), pois o legislador impôs uma obrigação e não uma opção. A disposição legal preconiza “a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho”, caso fosse opcional, o legislador teria empregado o “poderá” ao invés do “deverá”.

A legislação não faz distinção de tipo de empregada, sendo perfeitamente aplicável às empregadas domésticas e rurais que estejam gestantes, como também se aplica às empregadas avulsas por força de disposição constitucional. A norma também incide sobre as empregadas públicas. A lei, contudo, não se aplica às gestantes estatutárias, pois para elas o regime jurídico demanda uma lei específica.

A forma/tipo de contratação não interfere neste direito, seja o contrato indeterminado, determinado, experiência ou avulso, ainda assim, a gestante empregada tem direito ao afastamento. Por razoável, a discussão se este direito permanece até o contrato a termo findar ou se o prorroga artificialmente mistura-se com o direito à estabilidade gestante e segue as mesmas diretrizes.

As consequências de descumprir a norma são de três naturezas: 1) receber uma penalidade administrativa decorrente da fiscalização do trabalho; 2) o Ministério Público do Trabalho abrir procedimento e depois ingressar judicialmente buscando impor o cumprimento legal e a fixação de dano moral coletivo; 3) a própria empregada gestante ajuizar uma ação para garantir o direito ao afastamento ou diante do descumprimento, da situação concreta, inclusive pedir reparação de dano moral, conduta discriminatória, e rescisão indireta com pagamento do período estabilitário.

O cenário de descumprimento deliberado da norma posta, então, descortina-se como de alto risco e de passivo cuja mensuração é casuística e sem precedentes judiciais. Isto, sem abordar a questão social de manter uma empregada gestante exposta a uma doença cujas consequências gestacionais ainda são desconhecidas. O valor indenizatório pode ser vultoso.

Texto: Gabriela Hautrive
reportagem@independente.com.br

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