Como se tornar o pior aluno da escola

A polêmica é oportuna, e abre a chance de pensar o que convém e o que não convém mostrar às crianças e aos adolescentes


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“Como se tornar o pior aluno da escola” é o título de uma comédia lançada no cinema, no ano de 2017. Foi inspirada no livro de Danilo Gentili, o conhecido comediante e apresentador paulista, que inclusive atua como personagem na película.

Resumidamente, o filme conta a história de dois garotos e dos seus apertos como estudantes. Certo dia encontram uma caixa na parede do banheiro da escola. A caixa contém instruções de como ser o pior aluno. A partir daí, eles procuram seguir as tais instruções, encorajados pelo fato de o autor das instruções ser um ex-aluno, que se deu bem na vida, embora… ou exatamente por ter sido o pior aluno.

No início deste mês de março levantou-se uma polêmica em torno do filme sob a acusação de incentivar a pedofilia. Assisti ao filme movida pela curiosidade gerada. Tenho quase certeza de que não empregaria meu tempo com ele, não fosse o auê. Achei o filme simplesmente ruim, tosco.

Mas a polêmica é oportuna. Ela abre a chance de pensar o que convém e o que não convém mostrar às crianças e aos adolescentes. Fala igualmente do medo que a ficção inspira.

O caso é que os pequenos sabem distinguir o que é real e o que é faz-de-conta. Por exemplo, quando as crianças combinam brincadeiras, uma pode botar na cabeça uma coroa de papelão e gritar “eu era o rei”, passando, então, a agir como julga que um rei age. Isso não impede que dali a pouco atire a coroa para o lado e proclame: “não brinco mais”.

Ou seja, tudo leva a crer que adolescentes assistindo a “Como se tornar o pior aluno da escola” reconheçam quais comportamentos podem funcionar na vida real e quais podem trazer problemas. Tudo leva a crer que compreendam como reprovável a cena em que um adulto aparece com intenções de abusador, até mesmo pelo fato de que a atitude não é elogiada no filme.

Fico me perguntando se não nos preocupamos mais com a ficção do que com a realidade. Não fosse assim também faríamos censura a certas reportagens jornalísticas. Veja-se aquele caso do menino Bernardo Boldrini. Não me lembro de alguém ter condenado mostrar a história no horário em que a família almoça. A sucessão de maus tratos, o planejamento do crime, o nome do tranquilizante ministrado ao menino, tudo foi contado em detalhes e acompanhado de fotos, depoimentos, muitas vezes ao vivo.

Parece que temos mais preocupação com a ficção do que com a realidade. Não fosse assim, teríamos mais receio em relação às coisas que os jovens veem acontecer bem perto deles. O comportamento real de pais e de autoridades tem muito maior potencial para encorajar a imitação. Talvez a gente dirija com as crianças no carro depois de uma cerveja. Talvez a gente ria de piadas racistas. Talvez a gente não dê bola para o fato de haver mendigos dormindo na rua, etc.

Em resumo, a sugestão aqui vai no sentido de pensar onde investir mais energia: combatendo um filme ou combatendo comportamentos negativos na vida real?

Texto por Ivete Kist, professora de Letras e Literatura


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