Comportamento nocivo: nem sempre estamos dispostos a pagar o preço que uma mudança exige

Confira o comentário de Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica


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Foto: Dirce Becker Delwing

Quando eu era criança, volta e meia, ouvia meus pais usando a expressão: “A ocasião faz o ladrão”. Diziam isso para lembrar que boas companhias sempre seriam mais prudentes. O convívio com quem cultivasse maus hábitos, com o tempo, poderia interferir nas nossas condutas. Na minha adolescência, repetiam o dizer para lembrar que ambientes onde tivesse álcool, droga ou quaisquer outros excessos seriam favoráveis para um possível atrapalho. Por conta disso, melhor seria não se expor à ocasião.

Eu sempre ouvia o ditado com certo descrédito, até porque nunca vivi, claramente, um evento em que pudesse aferir sua veracidade. Contudo, de um mês pra cá, tenho pensado diferente. Para que você compreenda melhor, preciso explicar o contexto. Na empresa onde meu esposo trabalha, decidiram fazer uma promoção. Na compra de um lanche, a pessoa ganha de brinde um “pé de moleque”. Acontece que ele comprou um estoque de rapadurinhas. Num dia desses, abri um armário na garagem e me deparei com as guloseimas. Vários potes de plástico cheios de rapadurinhas. O restante da história você já pode imaginar.

 

No começo, meu esposo nem percebeu a redução de mercadorias, mas acontece que o consumo foi aumentando gradativamente. Você há de concordar que um alimento beira à perfeição quando atiça vários dos nossos sentidos. Comer uma rapadurinha é como se os dentes estivessem tocando numa orquestra. Cada mastigada tem o seu próprio som, sem falar que há um prazer muito singular no passeio da rapadura pela boca, especialmente porque cada amendoim ganha a sua vez de figurar no topo dos dentes da arcada inferior.

Não é que estou querendo me justificar, mas o fato é que tenho tido dificuldade para passar longe do pote sem me servir. E isso trouxe de volta o ditado que eu ouvia na infância: “A ocasião faz o ladrão”. Se meu esposo não tivesse formado um depósito gastronômico, eu não teria me tornado uma consumidora obcecada de pés de moleque. Já pensei em sugerir que ele leve tudo embora de casa. Mas tenho minhas dúvidas. Deixar de repetir algo, exige que a gente mude, que a gente deixe de ter aquele gozo. E, mesmo sabendo que o comportamento gera prejuízo, nem sempre a gente está disposto a pagar o preço da mudança. Para diminuir o nosso mal-estar, tentamos atribuir aos outros a responsabilidade da nossa permanência naquela situação. Deve ter sido isso que o escritor Machado de Assis pensou quando escreveu: “Não é a ocasião que faz o ladrão, o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: A ocasião faz o roubo, o ladrão já nasce pronto”. Pensando bem, o estoque de rapadurinha serve de pano de fundo para mostrar a formiga que sempre viveu em mim.

Por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica.

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