Nem tudo requer explicação

Excesso de racionalização pode ser uma defesa contra as emoções


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Foto: Ilustrativa

Estava fazendo compras no mercado quando ouvi a conversa. Na verdade, não era bem uma conversa, mais parecia um monólogo, porque basicamente era só uma pessoa que falava. Alguns homens compravam carne no açougue e, entre eles, havia um daqueles especialistas que fica dando aula sem que lhe peçam. Ele se intrometia nos pedidos dos outros, dizia como deviam pedir a carne, qual o jeito certo de prepará-la e até a maneira correta de comê-la. Percebi o desconforto dos ouvintes, que não estavam querendo aprender sobre o assunto.

Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga

Acredito que todos conheçamos esse tipo de chato, que pensa que sabe tudo. O outro está lá, curtindo alguma coisa, e ele vem com mil e uma explicações, roubando a poesia da ocasião. No livro Senhora, de José de Alencar, tem um trecho no qual a personagem principal, Aurélia, diz ao marido: “Como todo mundo, eu sempre fui muito apaixonada de flores; mas houve um tempo em que não as pude suportar. Foi quando se lembraram de ensinar-me botânica.”

O psicanalista Mario Corso tem um texto em que fala disso com muito bom humor. Ele dá o nome de tudologistas para aqueles que têm resposta ou opinião sobre qualquer assunto, e os divide em duas categorias: os práticos, mais atentos aos detalhes do cotidiano, e os filosóficos, que consertam o mundo na internet.

Corso narra uma experiência pessoal em que esteve com um tudologista no preparo de um churrasco, quando recebeu orientações e repreensões desde o momento em que fez o fogo. Ele reflete que o mais aconselhável seria dizer “então faz você!”, mas aí talvez a coisa perderia a graça, porque o negócio do tudologista não é fazer, mas ensinar, esse é seu papel no mundo.

Penso que existe espaço e momento para tudo, para discutir temas em profundidade, para ensinar, para aprender, e para refletir. Mas também tem momentos que a gente só quer sentir, experimentar, viver, e nesses casos, racionalizar acaba por impedir que as emoções mais intensas apareçam. Talvez aí esteja uma explicação para o excesso de teoria.

Texto por Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga

 

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