Outro dia, vi um vídeo que mostrava a história de uma mulher que levara seu telefone para conserto. Ela pouco entendia de tecnologia, não sabia reconhecer qual poderia ser o defeito do aparelho. Por conta disso, buscou ajuda junto a uma empresa de assistência técnica. Quando preencheu a ficha para que o técnico pudesse avaliar o estado do telefone, escreveu que, com frequência, faz contato com os filhos, mas que eles não atendem. Isso estaria acontecendo há meses. Depois de muito insistir, conclui que o telefone está com algum defeito.
Após fazer uma avaliação minuciosa, o técnico vai a uma outra sala, longe da mulher, e liga para os filhos. Pede que eles atendam as ligações da mãe. Na verdade, o telefone não apresenta nenhum defeito. Os filhos é que não atendem as chamadas.
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Você deve estar sentindo um incômodo diante da atitude desses filhos. Não pode ser que não tenham tempo para falar com a mãe. Não pode ser que não tenham nada para ouvir ou para dizer. Assim como eu, você deve supor que, mais tarde, quando ela não estiver mais aí, irão se arrepender, sentirão saudade, dariam tudo para ter um minuto com ela. É provável que sim, é possível que não. Nessa hora, você me pergunta se o descaso dos filhos tem a ver com a forma como eles foram criados? Se esses filhos foram destituídos de afeto materno, se essa mãe fora uma mãe suficientemente boa? São muitos os motivos que levam os filhos a se afastarem dos pais. Pode ser que tenham guardado mágoas da infância, pode ser que carreguem ranços da vida adulta, pode ser que eles vivam numa condição tão egoísta em que não conseguem olhar para além de si. E, assim, não são capazes manifestar afeto e consideração por aqueles que foram seus primeiros cuidadores. Cada narrativa é única e cada família tem as suas singularidades.
A história que contei sobre a mulher é bastante forte e revela um significativo descaso dos filhos para com a sua mãe. Mas, em proporções mais brandas, é comum que os filhos, por vezes, desapareçam dos olhos dos pais. Moram na mesma cidade e não se conversam, estão longe de casa e economizam nos contatos, vivem na mesma casa e parecem alheios a qualquer tentativa de comunicação por parte dos pais. Estariam esses filhos agindo com certo desdém em relação aos seus familiares?
Esses desaparecimentos dos filhos, a falta de notícias, a demora para atender as chamadas da família aparece, inclusive, nas cartas que Freud escreveu para os seus primogênitos. No dia 06 de gosto de 1914, Freud pontua: “Meus queridos filhos, finalmente um sinal de vida de vocês depois de tantos longos dias”. Em outra carta, reafirma o desejo de ter mais notícias: “Queridos filhos, como não estou recebendo cartas de vocês, faço tentativa com um cartão-postal e peço que respondam da mesma forma.” (livro “Sigmund Freud – cartas aos filhos”).
Nesse sentido, convido você a pensar que, lá pelas tantas, os filhos podem estar tomados por demandas pessoais e que, para lidar melhor com a situação, precisam desse distanciamento. Pode ocorrer de estarem vivendo dias repletos de cobranças, de exigências e de preocupações. Se não podem fugir desse cotidiano, se vivem em contextos em que não podem manifestar seus incômodos, talvez é com os pais que se sentem seguros para colocar em ato seus protestos, mesmo que eles não tenham nada a ver com isso. E, se assim for, no fundo, o descaso pode significar o contrário.
Texto por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica