Perdão das dívidas do Fies desestimula bons pagadores, e “gratuidade” da bagagem afasta companhias de baixo custo

Com Brasília esvaziada, as pautas que andam nos plenários da Câmara e do Senado têm uma pegada mais populista. Só que "não existe almoço grátis" e a conta vai chegar


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Foto: Paulo Sérgio / Câmara dos Deputados

Brasília, em tempos normais, é cheia de políticos, assessores, prefeitos e lideranças em busca de avançar projetos e proposições de seus interesses — algo legítimo, diga-se. Mas, há poucos meses das eleições de outubro, a Câmara e o Senado trabalham de forma esvaziada. Os congressistas ficam menos tempo na capital e passam mais em suas bases, organizando suas campanhas.

As pautas que correm nos plenários têm uma pegada mais populista — aquelas que, na superfície, são positivas, mas um exame mais aprofundamento mostra o potencial lesivo econômico, político e social. Duas das que foram aprovadas nesta terça-feira (17) mostram bem essa tendência: a “colher de chá” às dívidas do Fies e o despacho “gratuito” de bagagem aérea.

Os deputados aprovaram uma nova versão de uma Medida Provisória (MP) que permite inadimplentes abaterem até 99% de suas dívidas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A iniciativa é válida para estudantes que tenham contratado o financiamento até o 2º semestre de 2017 e estão com débitos vencidos pendentes. O desconto poderá ser de até 77% do valor total a ser renegociado. No entanto, se estudante estiver no Cadastro Único (CadÚnico) ou tiver sido beneficiário do Auxílio Emergencial 2021, o desconto chega a 99% do valor consolidado da dívida.

As condições econômicas ficaram difíceis nos últimos tempos, é verdade. Mas tamanha benesse é um desincentivo ao bom pagador, para aquele estudante que manteve suas prestações rigorosamente em dia e seu nome limpo na praça. Pensa no caso de um jovem que deixou de fazer algo ou comprar um item de necessidade para pagar o financiamento. Como ele se sente ao olhar para o lado e ver que quem ficou inadimplente recebeu um brinde como esse em ano eleitoral?

Engenheiro, presidente do IFL Brasília e assessor parlamentar, Douglas Sandri analisa os fatos políticos de Brasília na programação da Rádio Independente (Foto: Divulgação)

Chegar a esse ponto mostra que o Fies, embora um programa com bom propósito, foi prejudicado e desvirtuado em função da má gestão do governo federal: foi liberado dinheiro sem as devidas garantias de saudabilidade e sustentabilidade do programa.

Já a questão da bagagem é ainda mais evidente: o Congresso se aproveitou de uma MP que flexibiliza regras para o setor aéreo — a “MP do Voo Simples” — para colocar essa “gratuidade” no meio. Na prática, quem não despacha bagagem vai pagar também para quem despacha. Vai aumentar o custo das passagens, afastar as companhias de baixo custo “low cost” do mercado brasileiro, com redução da competitividade e da concorrência.

A autorização para cobrança das bagagens despachadas foi oficializada em 2017. Seu retorno na aviação comercial é um retrocesso. Há quem diga que a promessa de baixar o valor da passagem com a cobrança da bagagem não se concretizou. Mas estes mesmos esquecem de mencionar os custos operacionais, com pessoal e combustíveis subiram de forma generalizada por causa da inflação e do cenário internacional com covid-19 e guerra na Ucrânia. Além disso, os voos domésticos são operados por poucas empresas, quase sem concorrência. Já os voos internacionais têm mais companhias operando.

Como o texto sofreu alteração no Senado, vai voltar para a Câmara analisar. Espero que o Congresso não se deixe levar mais uma vez pelo populismo e observe os impactos reais de ações como esta.

Texto por Douglas Sandri, graduado em Engenharia Elétrica, é presidente do Instituto de Formação de Líderes (IFL) de Brasília e assessor parlamentar. Todas as quartas-feiras, participa do quadro “Direto de Brasília”

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