Professora da Univates participa de estudo que propõe cálculo para apontar a antecedência mínima para previsão de inundações no Rio Taquari

Sofia Royers Moraes pesquisa as cheias desde 2013


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Rio taquari em Encantado (Foto: Prefeitura de Encantado )

Em maio de 2021 completam oito décadas de um dos maiores eventos naturais da região do Vale do Taquari. Conhecida como uma das mais severas cheias já registradas no rio Taquari, a inundação ocasionada por semanas de chuva naquele ano não tornou a se repetir ou ser superada. Registros históricos apontam que, naquela ocasião, choveu por 22 dias consecutivos no Estado e o Rio Taquari atingiu 29,92 m, causando grandes impactos socioeconômicos e ambientais em toda a região hidrográfica do Guaíba – mais da metade do Rio Grande do Sul.

Outras cheias, como a mais recente, de julho de 2020, no entanto, lembram da importância do registro e do conhecimento sobre o comportamento dos cursos d’água – rios e arroios, especialmente – e também do volume de chuvas para a previsibilidade de inundações. É esse mesmo conhecimento que permite que sejam tomadas as ações necessárias para evitar os problemas às comunidades suscetíveis ao fenômeno natural das cheias. Variabilidade espacial das chuvas, volume pluviométrico, área de drenagem captada pelo rio e características da própria bacia hidrográfica – como sua complexidade e declividade – influenciam na ocorrência de cheias.

Fazer previsões é um trabalho complexo, contribuindo para a análise das variáveis e o olhar estatístico para estabelecer regularidades. Um estudo recentemente publicado com participação de uma professora da Universidade do Vale do Taquari – Univates buscou avaliar, por meio de um cálculo, qual é a antecedência mínima necessária para a previsão de inundações na região de Lajeado. O trabalho é da docente do Centro de Ciências Exatas e Engenharias (CEE) Sofia Royer Moraes em conjunto com Walter Collischonn, Fernando Mainardi Fan, Ayan Fleischmann, Lucas Giacomelli e Vinícius Alencar Siqueira.

O Vale do Taquari é uma área baixa da bacia hidrográfica do Taquari-Antas. Só a área de drenagem do rio Taquari tem cerca de 22,4 mil quilômetros quadrados, nos quais pode chover. A água dessa chuva converge, naturalmente, para um mesmo ponto – o Rio Taquari. Em termos de estatística, os registros históricos indicam que a região enfrentou uma inundação a cada 1,5 anos nas últimas sete décadas. “Esse dado nos mostra uma frequência de inundações, em que as menores (menores níveis alcançados pela cheia) ocorrem em frequências maiores e as maiores, felizmente, ocorrem com menor frequência. No caso de inundações raras, que atingem mais de 27 m de altura, o intervalo entre uma e outra é ainda maior”, explica a docente.

Rio taquari em Encantado (Foto: Prefeitura de Encantado )

Resultados

Para o cálculo chuva-vazão proposto pela equipe de pesquisadores, o estudo considerou um cenário no qual: a) se prezasse pela segurança, em que todos os moradores, incluindo os que possuem casas com segundo andar mais elevado, estivessem seguros para saída das residências; b) a inundação é caracterizada como um evento extremo e mais raro (como a de julho de 2020), em que as velocidades de ascensão do hidrograma – representação visual da taxa de vazão do rio ao longo do tempo – são próximas de 0,2 m/h no pico.

Também são consideradas as variáveis de taxa de vazão do rio, altura das residências e altitude média da cidade de Lajeado. Os pesquisadores concluíram que o tempo mínimo necessário para a geração e a comunicação de previsões que sejam efetivas para a população fica em um intervalo entre 6 horas e 25 horas a partir do início da cheia.

As informações coletadas pelos instrumentos oficiais sobre o nível da água do rio ao longo de diferentes pontos da bacia hidrográfica, em caso de cheias, já são atualmente cruzadas para a criação de modelos e previsões acerca do nível provável que a inundação pode atingir em outros pontos à frente. “Para ser mais assertivo, a gente precisa de mais estações de monitoramento do nível da água e do volume de chuva”, afirma a professora Sofia Royer Moraes.

O cálculo desenvolvido, que considera um intervalo de tempo entre 6 horas e 25 horas, leva em conta também o início da cheia no local de interesse. Por exemplo, numa enchente, se às 2h da manhã o nível do rio Taquari em Lajeado começou a aumentar, o intervalo entre 6 horas e 25 horas a partir daquele ponto se torna crucial para determinar o nível máximo que a cheia pode atingir naquele local.

O estudo defende que os modelos cota-cota ou vazão-vazão, como os utilizados na atualidade para fazer previsões, podem não ser suficientes para gerar previsões com o prazo apresentado no artigo. “Existe uma equação resultante da pareação dos níveis máximos do rio Taquari em Encantado e em Lajeado. A aplicação dessa equação permite dizer que, em aproximadamente seis horas, o tempo que a água demora para chegar aqui, o nível em Lajeado será tal com base no nível em Encantado”.

A conta funciona bem para cheias cuja origem está associada ao escoamento de maiores volumes de precipitação na área de drenagem da bacia-hidrográfica a montante de Encantado, mas não para eventos em que maiores índices pluviométricos estão concentrados em regiões de cabeceira de rios que trazem as suas águas para o Taquari, o caso do rio Forqueta, a jusante de Encantado. Por estar situado depois de Encantado, todo esse volume de água não pode ser considerado no cálculo cota-cota, pois é imprevisto. “Encantado não recebe a influência do rio Forqueta, e, quando passa pela cidade, o Taquari já recebeu a água dos dois rios anteriores, o Guaporé e o Carreiro. O rio Forqueta é uma carga de água adicional”.

Mais investimentos

Para organizar um sistema de previsão com uma antecedência de 25 horas, são necessários investimentos tanto no desenvolvimento de um sistema de modelagem chuva-vazão, que expanda o cálculo apresentado pelos pesquisadores, quanto na instalação de estações de monitoramento de chuva e vazão com dados telemétricos ao longo de toda a bacia hidrográfica do rio Taquari-Antas.

Vazão do Taquari durante cheias

De acordo com as estimativas apresentadas pelo estudo, na cidade de Lajeado, somando a vazão do rio Forqueta e de outros afluentes de ordem inferior, em períodos de elevadas precipitações e de grandes cheias, a vazão do rio Taquari pode ultrapassar 12.000 m³/s e o nível da água pode subir até 15 metros em pouco tempo.

Além disso, em função das características da bacia hidrográfica, com grande declividade e predominância de rochas basálticas, a velocidade de ascensão do hidrograma é extremamente alta, com taxas de variação do nível da água que chegam a superar 50 cm/hora nos períodos de maior ascensão.

Em Lajeado e Estrela, a cota de 13 m é utilizada como nível de referência (NR) do rio Taquari para aferir a variação e o nível das inundações. A partir do nível de 19 m, o rio Taquari sai de sua calha natural e ocupa seu leito de inundação.

A enchente de julho de 2020

Em julho de 2020, uma grande inundação atingiu as cidades do vale do rio Taquari. A inundação atingiu a marca de 27,39 m no linígrafo automático do Sistema de Alerta de Eventos Críticos (Sace), instalado no Porto Fluvial de Estrela e mantido pela Agência Nacional das Águas (ANA), do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). A inundação de 9 de julho de 2020 é a quarta maior desde o início da série histórica e a maior nos últimos 64 anos.

Na ocasião, a vazão passou de 14.000 m³/s, subindo de um patamar de 2.000 m³/s até o pico em um intervalo de 30 horas. Os níveis nesse evento demoraram 19 horas para subir 5 m (cerca de 0,26 m/h). Para a inundação de julho de 2020, que teve seu pico às 2h da madrugada do dia 9 de julho, as previsões erraram de forma significativa tanto o nível da inundação quanto o momento da estabilização, dificultando ainda mais as ações de resposta pelas defesas civis municipais.

Para os moradores, cenário de escolhas

A infraestrutura urbana da cidade de Lajeado foi implantada ao longo de quase 200 anos, com edificações estabelecidas de forma geral com um ou dois pavimentos. Na dinâmica das inundações, os moradores das edificações com somente um pavimento acabam retirando os seus pertences, ficam desabrigados algum tempo e retornam para o local após o rio Taquari retornar para o leito regular.

Esses moradores, quando está prevista a ocorrência de uma inundação, sem importar tanto a sua magnitude, ficam preparados, alertas e até antecipam, de forma voluntária e com independência, a sua retirada, bem como seus pertences, para áreas mais seguras.

Por sua vez, os moradores que residem em edificações com dois pavimentos, na tentativa de melhorar a convivência com as inundações e minimizar os danos e prejuízos materiais, têm duas opções durante as cheias:

1) retirar tudo da casa;

2) deslocar todos os seus pertences para o pavimento superior.

A segunda opção acaba sendo a escolhida pelos moradores, de modo que a maioria das inundações, ao atingir o andar térreo, não gera maiores consequências e prejuízos materiais. Em geral, esses pavimentos superiores são construídos na altitude de cerca de 27 m, nível a partir do qual são permitidas novas construções em Lajeado de acordo com o Plano Diretor.

Em 2020 ocorreu uma inundação de 27,39 m, que atingiu o pavimento superior de muitas edificações, inclusive apartamentos de 2o andar em edifícios.

A decisão entre a opção 1 (retirar todos os pertences e sair) e a opção 2 (deslocar todos os pertences para o pavimento superior e permanecer) durante uma inundação deve ser feita considerando não apenas o que vai acontecer nas próximas horas da inundação, mas o que vai se desencadear até o evento alcançar o nível máximo. Para tal, é necessário previsão assertiva, proveniente de um monitoramento amplo de informações hidrometeorológicas da área de drenagem da bacia do município.

Histórico de pesquisa sobre cheias

Professora Sofia Royer Moraes (Foto: Kemily Pereira Monçani)

A professora Sofia trabalha com o tema das cheias desde 2013, quando participou de um projeto como bolsista na Univates durante o curso de graduação em Engenharia Ambiental. Ela observa que “Lajeado tem cerca de 90 km². Destes, aproximadamente 10% são inundáveis. Para evitar grandes problemas com inundações, precisamos trabalhar com a perspectiva das cheias e tentar encontrar maneiras de minimizar seu impacto negativo em áreas urbanizadas, sendo hoje uma das soluções mais efetivas o monitoramento, a previsão e o alerta das inundações na região”.

Atualmente Sofia é doutoranda em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Na tese de doutoramento, a professora, que estuda eventos extremos, como a cheia de 1941, tem trabalhado com a revisão de cálculos e marcações históricas sobre as cheias, uma vez que diferentes fontes de informação apontam para medições divergentes. “Especialmente em relação aos dados mais antigos, existem variabilidades no nível exato. Quando conhecemos melhor os eventos, melhoramos séries estatísticas, contribuindo para previsões mais assertivas”, afirma. AI/VM

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