Somos especialistas em fabricar parceiros amorosos

Acompanhe o comentário da jornalista, psicóloga e psicanalista clínica Dirce Becker Delwing


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Foto: Ilustrativa

Sentada num banco instalado junto à calçada, a mulher contemplava a vitrine de um sex shop enquanto fumava um cigarro. Parecia entretida com os produtos que estavam expostos. Talvez estivesse pensativa acerca da sua vida íntima. Quem sabe, fazia planos para viver mil e uma noites de amor, regadas a géis comestíveis e cremes afrodisíacos.


ouça o quadro “páginas cotidianas”

 


Podia ser ainda que o olhar atento estivesse direcionado ao sutiã que fazia parte do cenário. Um sutiã preto com flores bordadas em prata. Como não ficar atraente com uma roupa íntima de tamanha beleza? Foi o que pensei assim que vi a peça. Pode ser que a mulher compartilhasse da mesma ideia. Na verdade, todas as coisas que supus que ela poderia estar vivendo, saíram da minha cabeça. Psiquicamente, ficava mais confortável colocar em outra pessoa as ideias que me visitavam naquela hora.

Quando me dei conta disso, cogitei que, bem diferente da cena que descrevi, a mulher poderia estar sentada naquele banco por qualquer outro motivo, fosse ele torpe ou nobre. A bem da verdade, só saberia se perguntasse, se tirasse um tempo para me inteirar do que se passava com ela. É quase certo que iria me surpreender com sua história de vida, com os calos que apertam seus pés, com as preocupações que passeiam no seu coração.

Tantas e tantas vezes, sem nos dar conta, colocamos nos outros os nossos desejos e demandas, inclusive as frustrações. Sem falar que somos especialistas em fabricar pessoas, especialmente parceiros amorosos. Não são raras as vezes em que, no consultório, ouço relatos seguidos da expressão “mas ele ou ela não era assim como pensei”; “como pude me enganar tanto”, ou “ele está muito diferente de como parecia ser no começo da relação”.

É provável que o outro sempre fora desse jeito, mas você colocou nele as características que gostaria que ele tivesse. Nesse caso, a responsabilidade pela frustração é sua. Afinal, foi você quem gerou expectativas acerca do outro a partir daquilo que você projetou nele.

Por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica

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