Você sabe ouvir sem interromper a fala do outro?

Confira o comentário da jornalista, psicóloga e psicanalista clínica Dirce Becker Delwing.


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Foto: Reprodução / Shutterstock

Outro dia recebi um Whatsapp de um amigo, um senhor já com mais idade e que não é de fazer brincadeira fora de hora. Acontece que ele me enviou uma mensagem que, no mínimo, parecia estranha. Tinha um palavrão no meio da conversa. Tive que rir alto, especialmente porque imaginei a cara do meu amigo se relesse o seu escrito. Cuidadoso como é já teria pedido desculpas, por isso tenho certeza que não chegou a se dar conta. Acontece que ele tem instalado o corretor ortográfico que faz substituição automática e, na hora de digitar uma palavra, o corretor sugeriu outra.

No fundo, foi engraçado e até deixou minha manhã mais divertida, mas a ocorrência fez com que eu desabilitasse essa ferramenta no meu celular. A sensação é de que, agora, tenho todo tempo do mundo para me expressar, para escolher a palavra certa e, enquanto digito, tenho a possibilidade de pensar sem pressão. Porque parece que o corretor, quando está programado para substituir automaticamente, corre na tua frente, tenta adivinhar o que estás pensando e, se não fores atento, podes cair numa cilada ortográfica. É fato que essa ferramenta ajuda a agilizar a comunicação entre as pessoas, mas, somente depois que desabilitei a função é que percebi que a agilidade coloca a gente na lógica da pressa, do quase atropelamento de pensamentos.

Senti na pele o que se passa com um amigo meu. Ele é gago desde criança. Outro dia perguntei qual é a maior dificuldade que ele encontra no seu cotidiano. Me disse então que está acostumado com a sua fala permeada por repetições de fonemas ou sílabas, afinal, cresceu se comunicando dessa forma. O desafio é manter uma conversa com pessoas que não deixam que ele complete o seu pensamento, feito o corretor vão adivinhando as palavras, o que acaba tornando o momento tenso.

Meu amigo e eu também falamos sobre a dificuldade que muitas pessoas têm para escutar o que você tem a dizer, nos mais diversos contextos, independendo de você ser gago ou não. Há pessoas que nem deixam você terminar a frase e já emendam um comentário, isso quando não fazem seguidas interrupções, dando a impressão de que não há um verdadeiro interesse naquilo que você diz. Quanto a mim, se reconheço que a pessoa age assim, desabilito mentalmente a interação e deixo a pessoa ser protagonista. No máximo, faço sim com a cabeça. A propósito, você sabe ouvir, ou feito um corretor de substituição automática, coloca palavras na boca do outro?

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