As certezas podem causar cegueiras

A esperança repousa sobre aqueles que duvidam, que perguntam


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Ivete Kist (Foto: Maria Eduarda Ferrari)

No mês de novembro próximo se comemoram os cem anos de nascimento do escritor português José Saramago. Dentre os muitos livros que ele escreveu, vou destacar aqui o “Ensaio sobre a cegueira”, que é obra de 1995.

“Ensaio sobre a cegueira” conta a história de uma cidade em que, um por um, todos os habitantes vão perdendo a visão. Sem mais nem menos e repentinamente, as pessoas deixam de enxergar. Quem pensa que a situação gera espírito de cooperação e de solidariedade se engana. Os cegos ficam cada vez mais cegos. Ou seja, a verdade e a justiça vão perdendo espaço.
O tema da cegueira circula há milênios na cultura ocidental. Simboliza a incapacidade de ver – que existe mesmo quando as pessoas pensam que estão enxergando.

Não encontro melhor maneira de celebrar a 16ª. Feira do Livro, que se realiza durante esta semana em Lajeado, do que abordar a simbologia da cegueira.
Na altura do século IV antes de Cristo, na Grécia, Sófocles escreveu uma peça de teatro com o título de “Rei Édipo”. Ali se apresenta a história do poderoso rei de Tebas, Édipo. Édipo é jovem e vigoroso. Édipo é rico e bem sucedido. Édipo está no auge da fama e do poder. Ocorre que uma peste vem assolando o país e trazendo muitos prejuízos. O rei quer encontrar solução. É por isso que não estranha que lhe tragam o vidente Tirésias à sala do trono. Observe-se que Tirésias é cego.

Se o rei esperava que o adivinho apresentasse uma solução mágica, enganou-se. Tirésias vem dizer que o rei é um criminoso e que ninguém além dele está desgraçando o país. Pode-se bem imaginar a reação do monarca. Por pouco não dá fim à audácia de Tirésias. Mas o cego não se intimida e vai argumentando até que, por fim, Édipo se reconhece culpado. Por não saber, agiu mal. Sem saber matou o pai. Sem saber casou-se com a própria mãe. Édipo reconhece que a ignorância abriu espaço para o crime. Ao se dar conta da cegueira em que vivia, ele fura os próprios olhos. Paradoxalmente, Édipo quer ficar cego, para poder ver. Ele quer evitar a ilusão da soberba, para ganhar a condição de enxergar de verdade.

O antigo mito grego, retomado por José Saramago no seu “Ensaio sobre a cegueira” sugere tomar cuidado com as certezas. As certezas são imobilizadoras. As certezas fossilizam. Quem tem certeza é capaz de sofrer de uma cegueira. A esperança repousa sobre aqueles que duvidam, que perguntam. Estes conseguem avançar. Estes se animam a ir ao encontro de mais luz.

O tema é apropriado para uma feira de livros, porque os livros representam o conhecimento, a curiosidade, a imaginação, a ciência. E todos sabemos que essas coisas só se desenvolve em ambientes de busca.

Que ninguém fique reduzido às suas próprias certezas!

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