Ensino em casa tira da criança a oportunidade de aprender a se virar desde cedo

"Poucas coisas são mais preciosas ao ser humano do que a confiança na capacidade pessoal", opina a professora Ivete Kist


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Foto: Ilustrativa

Legalizar as aulas em casa, dispensando as crianças de frequentar uma escola, é o objetivo do projeto aprovado pela Câmara dos Deputados em 19 de maio último. Se o Senado aprovar também, ficará com os pais a possibilidade de optar. No caso de preferirem ensinar em casa, deverão seguir alguns procedimentos básicos. Terá de haver uma escola acompanhando os estudos e fazendo exames periódicos, por exemplo. De todo o modo, se vier a tornar-se lei, a educação domiciliar fará o Brasil se igualar aos mais de 60 países onde ela já se encontra regulamentada.

Aqueles que são favoráveis ao projeto garantem que não haverá prejuízo à socialização das crianças, aspecto com o qual todo o mundo se preocupa. Primeiro, porque a prática nociva do bullying está muito presente na escola. Segundo, porque existem outras oportunidades de socialização, além da escola. É o caso dos clubes, da igreja, dos grupos de escoteiros, etc. Acrescentam outra vantagem. Dizem que o ensino rende muito mais, porque é personalizado, ou seja, adaptado ao ritmo de aprendizagem e aos interesses de cada criança.

Vale lembrar que educar os filhos em casa é uma prática antiga, notadamente nas famílias da nobreza. E convém dizer que nos Brasil cerca de 30 mil famílias já ensinam em casa suas crianças, principalmente no caso em que profissões fazem os pais ter uma vida com frequentes trocas de endereço.

Para a lançar um outro olhar sobre a matéria, busco a ajuda da escritora italiana Natalia Ginzburg (1916 – 1991), No livro, intitulado “As pequenas virtudes”, Ginzburg dedica-se a pensar no que é preciso ensinar para as crianças. Ela acha que as grandes virtudes devem ser ensinadas. Não ensinar as pequenas virtudes, mas ensinar as grandes: “Não a poupança, mas a generosidade; não a prudência, mas a coragem; não a astúcia, mas a franqueza; não a diplomacia, mas o amor ao próximo; não o desejo de sucesso, mas o desejo de saber e ser”.

Quando fala do desejo de saber e ser, Natalia Ginzburg fala daquilo que julga o ponto mais positivo da escola. Aquilo que é insubstituível e que não deve ser negado a ninguém. Ou seja, a oportunidade de ir aprendendo a enfrentar o mundo, para chegar a definir com autonomia a própria vocação.

“…para um garoto, a escola deveria ser desde o início a primeira batalha a enfrentar sozinho, sem nossa ajuda; desde o início deveria estar claro que aquilo é seu campo de batalha, onde não lhe podemos dar mais que um socorro esporádico e irrisório. E se lá ele sofre injustiças ou é incompreendido, é preciso deixá-lo entender que não há nada de estranho nisso, porque na vida devemos esperar continuamente a incompreensão e o descaso, e ser vítimas de injustiças: a única coisa que importa é não cometermos, nós mesmos, injustiças.”

Quer dizer, se fazemos o ensino em casa, tiramos da criança a chance de ir aprendendo desde bem cedo a se virar no mundo, a ir construindo a sua autonomia, a sua independência num ambiente relativamente protegido, mas já fora da família. E poucas coisas são mais preciosas ao ser humano do que a confiança na capacidade pessoal. Capacidade de pegar nas mãos a sua vida e, com autonomia, encontrar a própria vocação.

Texto por Ivete Kist, professora de Letras e Literatura

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