O dia foi bastante agitado nesta terça-feira (10) em Brasília. Foi um dos dias mais cheios que já presenciei desde que cheguei na capital federal. Logo cedo, pela manhã, para chegar ao anexo 4 do Congresso, onde trabalho, foi necessário pegar um desvio. Tudo porque havia uma fila gigantesca de tanques das Forças Armadas em desfile na frente do Palácio do Planalto, situação que alterou a dinâmica dos trabalhos e gerou burburinho em um dia com pauta polêmica pela frente: a votação da PEC do voto auditável.
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A parada militar, em um momento de embates acentuados entre Jair Bolsonaro e as instituições em função da defesa que o presidente faz do voto impresso, fatalmente levou a análises de suposições de que poderia ser uma tentativa de intimidação ou ameaça do governo, instrumentalizando as Forças Armadas para seus interesses. O comandante da Marinha, Garnier Santos, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disseram que foi uma infeliz coincidência.
De qualquer forma, ao final do dia, o Plenário da Câmara rejeitou a proposta de emenda à Constituição que versa sobre um aprimoramento no modo como são coletados e apurados os votos na urna eletrônica, com conferência pelo eleitor.
A PEC precisava de maioria qualificada de 308 votos, em dois turnos, para ir ao Senado. Porém, obteve 229 votos favoráveis, 218 contrários e uma abstenção, do deputado Aécio Neves (PSDB-MG.
O curioso é que nas duas vezes que foi à votação, teve maioria na Câmara. A primeira, apresentada por Bolsonaro enquanto ele era deputado, passou nas duas casas legislativas em 2015, foi vetado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) e o Congresso derrubou o veto e manteve, naquela oportunidade, uma possibilidade de conferência impressa do voto eletrônico, sem contato manual do eleitor.
Acontece que, com a resistência e pressão em contrário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou suspendendo a regra por uma liminar em 2018 e, no mérito, declarou inconstitucional em 2020.
O assunto voltou à pauta por um grande esforço e pressão realizada pelo presidente Jair Bolsonaro. No novo exame pelo Parlamento, muitos que antes eram a favor, agora se colocaram de modo contrário, com fundamentações que ou lhes colocam em contradição ou, então, deixa claro que é somente pelo fato de o presidente ser a favor.
Por outro lado, fica também a reflexão do quanto que os instrumentos usados pelo chefe do Executivo para defender sua ideia — com ameaças às instituições, alegações de fraudes e condicionando as próximas eleições ao voto impresso — comprometeram o projeto como um todo, que deveria ser avaliado sem politizações e paixões ideológicas.
De qualquer forma, com a rejeição da PEC agora pela Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira, disse que o assunto está enterrado no Congresso e pediu que a página seja virada. Nesta quarta-feira, ao comentar o “day after”, Bolsonaro disse que “está feliz com o Parlamento”. Segundo o presidente, o resultado mostrou que metade dos parlamentares “não acredita 100% na lisura dos trabalhos do TSE”.
Para o futuro, o Congresso deveria reexaminar a matéria no sentido de uma melhor organização da forma como se faz eleições no país. Não é adequado, pelo princípio da separação dos poderes e lisura do processo, que um mesmo órgão — o TSE — interprete a lei, formule as normas, planeje e execute o processo, além de ser grau de recurso e a única instância de auditoria do sistema.
Por Douglas Sandri, engenheiro, presidente do Instituto de Formação de Líderes de Brasília e assessor parlamentar