A arte é como uma vida

Esfaquear um quadro de pintura é um pouco como esfaquear o humano que existe em nós


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Ivete Kist (Foto: Fernanda Kochhann)

No dia 11 de novembro de 2018, assisti pela TV a cerimônia que marcou a comemoração dos cem anos do final da primeira guerra mundial. O evento se realizou na cidade de Paris, a capital da França. Junto ao Arco do Triunfo, sentaram-se lado a lado os Presidentes dos países que tinham se enfrentado nas sangrentas batalhas do passado. O que eles poderiam dizer? Fiquei curiosa para saber como a solenidade se desenrolaria. O que eles poderiam botar no lugar dos dez milhões de mortos na guerra? O que poderiam colocar no lugar de todo o sofrimento que estava sendo relembrado ali?

Pois bem! Botaram música. Soou o violoncelo tocado pelo americano de origem chinesa Yo-Yo Ma. Cantou a beninense Angélique Kidjo. O Bolero de Ravel foi executado pela Jovem Orquestra da União Europeia.
A arte tomou o lugar dos discursos. Acontece que a arte, em toda a sua beleza, é capaz de celebrar a humanidade que nos habita, com uma abrangência incomparável.

Ao contrário do que o exemplo acima poderia fazer imaginar, a arte não desfruta de muito prestígio nos dias que correm. A sociedade atual desconfia dos artistas. A percepção só muda, quando eles se tornam famosos. Antes disso, os artistas vivem cercados de piadas. Diz-se que arte é coisa de quem não tem o que fazer ou não sabe fazer nada que seja útil. Falar que alguém é um artista pode soar como troça ou até ofensa.

Sociedades de consumo – como a nossa é – levam a marchar em três compassos: querer… comprar… descartar.  Neste ambiente, vamos nos acostumando a desejar que todas as coisas cheguem prontas para o consumo. Queremos que venham num estalar de dedos, dispensando esforço. Se possível, até o esforço de pensar. Compramos itens da moda, exatamente para não pensar. A roupa vem pronta para vestir. A comida vem pronta para descongelar. Contratamos gente para organizar a nossa festa e um site de relacionamento, para conseguir namorado. É claro que essa engrenagem nem sempre funciona com perfeição, mas é isto que a gente busca.

Com a arte é diferente. A arte (música, pintura, cinema, literatura, etc. ) amplia a experiência humana de estar no mundo, para além do lado prático e concreto. A arte expande a nossa vida para o campo da imaginação e da sensibilidade. O mais notável é que a arte pede a participação da gente. Para apreciar arte, é necessário parar, sentir, entender, reavaliar… talvez mudar… Por isso mesmo, muitos viram as costas; outros tem raiva da arte.
Mas todos sentimos o poder que a arte tem. Isto é certo.

É por isso mesmo que a destruição de obras de arte perpetrada em Brasília no dia 9 de janeiro de 2023 arranha tão fundo. Danificar um quadro de Di Cavalcanti é muito pior do que danificar toda a mobília do Congresso.
Uma obra de arte é irrepetível como criação. Como experiência, a arte é um convite para exercer a capacidade de perceber, de se comover, de se purificar e, quem sabe, de entender melhor a vida. Esfaquear um quadro de pintura é um pouco como esfaquear o humano que existe em nós.

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