Apropriação cultural: admiração sem reconhecimento e respeito não gera mudanças estruturais

A construção da consciência atua pela pluralidade, liberdade e respeito para todos


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Foto: Freepik

Assim como o Carnaval, as tranças nagô, técnicas de maquiagem, esportes, danças, cultos e musicalidades, muitas coisas que advêm do negro causam admiração. E desta admiração, surge a apropriação cultural, que é o fenômeno de copiar uma questão cultural e característica de um povo, como algo seu, sem realizar as devidas menções e sem o respeito a tudo que aquela representação envolve. O uso de tranças por mulheres brancas é sempre uma grande questão de debate, principalmente nas redes sociais. Por ser um elemento bastante cultural das mulheres e homens negros, utilizado para localizar os quilombos no período da escravidão, o uso desmedido deste instrumento da luta pela liberdade, causa alguns conflitos.

Na minha opinião, não acho que seja um problema porque ao meu ver a pluralidade é a melhor característica do povo brasileiro, e a difusão do uso das tranças gera, direta e indiretamente, renda para muitos profissionais, em sua maioria, pessoas negras. No entanto, acredito que o uso deva ser feito com consciência, porque de nada vale, trançar o cabelo, e questionar as pessoas negras que encontrar com tranças, se é possível que elas lavem os cabelos durante o uso. O que já conversamos aqui, que é um grande estereótipo, de que tranças são sujas, e não podem ser lavadas, como qualquer outro cabelo. O maior perigo da apropriação cultural é de que o uso por pessoas brancas seja normalizado e viabilizado como bonito, mas quando usado, ou cultuado pelo negro, seja demonizado.

Esta demonização acontece também com as religiões de matriz africana, onde hoje, muitos centros acabaram embranquecendo uma religião advinda de África, incluindo elementos que não cabem naturalmente ali, e inclusive, negando elementos naturais que deram origem àquela cultura.

Outra questão que precisa ser fortemente construída ainda no Brasil é o respeito às musicalidades negras, que deram origem a quase todos os gêneros musicais que existem hoje. Bem como a literatura negra, que é bastante ampla, e rica, mas não é devidamente valorizada, porque somente são validadas as narrativas criadas pelo branco e direcionadas ao engrandecimento de personagens brancos. Inclusive para as criações cinematográficas, das criações de peças teatrais e shows musicais. Porque está acostumado com o fato de ser o centro das atenções, e de dividir espaços somente com outras pessoas brancas. Assim foi no período escravagista, e assim segue sendo hoje, como no caso que o cantor Seu Jorge foi contratado para um show, aqui no Rio Grande do Sul, e criticado, por posicionar-se contrariamente a composição do evento, onde as pessoas negras estavam apenas em posição de servidão. Como era a posição dele como contratado também, e esta fala incomodou muitas pessoas, que estavam ali, e que não estavam também, mas são acostumadas a apreciar a arte dele, mas não ele, como ser humano. Porque apesar de ser um excelente cantor, ele continua sendo negro, e para a sociedade, isso torna-se um problema.

Por isso, apenas admirar, ou utilizar elementos da cultura negra brasileira e estrangeira não é o cerne do problema, mas sim, a forma como estas mesmas pessoas, que usam colares ou brincos de búzios, e cantam sambas a plenos pulmões, tratam pessoas negras que passam por seu caminho. E esta construção de consciência é pela pluralidade, liberdade e respeito, para todos!

Texto por Nadini da Silva, advogada e mestranda em Ambiente e Desenvolvimento

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