Nem sempre está tudo bem

“Tudo bem com você?”, pergunta é clássica, protocolar. É claro que pode haver um interesse verdadeiro quando alguém pergunta se “está tudo bem”, mas a frase é dita quase que automaticamente


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Dirce Becker Delwing (Foto: Nícolas Horn)

Era a minha vez de ser atendida. A moça perguntou:

— Tudo bem com você?

Respondi:

— A maioria das coisas.

Ela parou de digitar, olhou bem para o meu rosto e disse:

— É verdade! Nem sempre está tudo bem. Comigo, há mais coisa mal do que bem.

Eu não quis perguntar. Fiz um comentário vago que deixaria abertura caso ela desejasse falar mais alguma coisa. Ela prosseguiu o atendimento e, no meio da atividade, soltou uma frase que me fez pensar:

— É, a gente diz que está tudo bem e, às vezes precisa mentir.

Concordei e disse que o fato de podermos verbalizar uma para a outra que nem tudo está perfeito já é um interessante movimento. Não de queixume, que seria talvez descabido para o lugar. Mas, formava-se uma espécie de irmandade diante das fragilidades desta vida.

“Tudo bem com você?”, pergunta é clássica, protocolar. É claro que pode haver um interesse verdadeiro quando alguém pergunta se “está tudo bem”, mas a frase é dita quase que automaticamente. E, se a pergunta é automática, a resposta também sai pronta: “tudo bem”, “tudo ótimo”, “tudo tranquilo”. Bem possível, respondemos de forma breve porque já presumimos que não seremos ouvidos. E, também, em muitas ocasiões, não seria prudente falar das nossas dores naquele lugar.

No entanto, quando perguntamos de forma desinteressada, sem menor interesse em ouvir a resposta, quando respondemos com economia de vocabulário, estamos, de certa forma, causando um desconforto para nós mesmos. Como pode estar bem quem acabou de perder o emprego? Ou que bateu o carro? Ou que está com um familiar doente? Com problemas conjugais? Crise financeira? Como pode estar bem um pai ou uma mãe que passa por dificuldades de relacionamento com os filhos?

Por isso, ontem, considerei saudável quando a atendente e eu reconhecemos que nem tudo estava bem conosco. Parecia mais honesto.

Texto por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica

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