O que precisas ter para existir no meio em que vives?

Mais do que nunca, estamos diante da era da ostentação


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Desenho da Helena, de três anos (Foto: Arquivo pessoal)

Faz algum tempo que a minha neta, de três anos, me pediu um vestido de sereia. Eu disse a ela que, quem sabe, o papai noel traria o presente. No último final de semana, quando esteve na minha casa, fez um desenho. Desenhou duas meninas. A primeira tinha olhos, boca e uma pintura colorida na parte onde estaria o vestido. A segunda menina, que ela desenhou bem ao lado, não tinha rosto. Apenas, o redondo da cabeça, sem nenhum colorido na parte onde seria o lugar da roupa.

Quando me entregou a folha, explicou, apontando para a menina do rosto feliz: “Eu com vestido de sereia”, e, enquanto apontava para o outro desenho disse: “Eu sem o vestido de sereia”. Ou seja, se estou com o vestido de sereia, sou uma criança feliz. Se não visto um vestido de sereia, nem rosto eu tenho. Não sou nada, talvez nunca serei alguém.

Fiquei pensando que a percepção da minha neta, em grande medida, lembra o comportamento da sociedade de consumo. Quantas vezes, os filhos fazem um discurso semelhante. Algo como: Todos na minha sala têm, menos eu. Quando apelam para o “menos eu”, desejam gerar comoção nos pais, que, em muitos casos, fazem das tripas coração para alcançar aos filhos muito mais do que tiveram na infância e na adolescência. O celular de última geração, a garrafinha de água da marca americana Stanley, a mochila belga Kliping, e tantas e tantas outras demandas.

Dirce Becker Delwing (Foto: Fernanda Kochhann)

Mais do que nunca, estamos diante da era da ostentação, onde para ser aceito pelos grupos de convívio é preciso ter, ou aparentar que podemos ter, mesmo que os produtos consumidos não estejam de acordo com a nossa situação financeira. Quanta gente não consegue quitar a sua fatura do cartão de crédito. Quanta gente não dorme por conta das dívidas, quanta gente descansa a noite toda sem se preocupar com a insônia dos seus credores. Nos dois casos, é possível considerar que há sofrimentos por conta da ostentação. Contudo, aquele que gasta sem se preocupar com as suas dívidas, apresenta um comportamento ainda mais destrutivo do ponto de vista social. Uma irresponsabilidade com os seus compromissos financeiros, indo ao encontro do adágio popular “Devo não nego, pago quando posso”.

Ter para aparecer. Ter para ostentar. Contudo, do ponto de vista psíquico, o que a gente deseja mesmo é colocar algo no lugar do vazio existencial, e isso nenhum tipo de mercadoria será capaz de preencher.

Texto por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica 

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