O que você tem a ver com a sua história?

Assim como Stitch, não precisamos aceitar o que fizeram de nós e simplesmente repetir


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Tem um personagem infantil da Disney que está muito na moda, o Stitch, aquele bichinho azul que parece uma mistura de coala e cachorro. O filme Lilo e Stitch conta a história de um alien que foge de seus criadores e acaba indo parar no Havaí, onde é adotado pela menina Lilo, que vive com a irmã mais velha após um acidente que as deixou órfãs de mãe e pai. Criado como uma experiência científica destinada a causar grandes estragos, como destruir cidades inteiras, Stitch tem diversas características que o tornam potencialmente perigoso.

Com um mundo interno povoado de objetos maus, ele é encontrado por Lilo, que o escolhe entre outros, aceita sua estranheza, lhe dá um nome, consegue compreendê-lo e se propõe a cuidar dele. Ao adotá-lo em meio a diversos cães e gatos disponíveis no canil, a menina revela enxergar nele algo de bom. Ser escolhido significa ter recebido uma dádiva especial que deseja guardar. Com isso, Lilo funciona como um objeto bom que o ama e o protege, o que dá base para que comece a estabelecer confiança em si mesmo.

Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga (Foto: Tiago Silva)

Em um dos poucos momentos nos quais Lilo repreende Stitch, ela diz: “Você destrói tudo que toca; por que não tenta uma coisa diferente pra variar?”. Ele muitas vezes até tenta, mas não consegue. Seu criador lembra a ele que jamais terá uma família, pois foi criado para destruir.

Para a psicanalista inglesa Melanie Klein, os fatores constitucionais não podem ser considerados separadamente dos ambientais, e vice-versa. Apesar de sua história inicial, a relação com Lilo capacita Stitch a sentir gratidão e a fazer reparação. A partir daí, consegue amar ao outro e a si próprio.

O filósofo existencialista Jean Paul Sartre escreveu que o mais importante de tudo não é o que fizeram de você, mas o que você faz com aquilo que fizeram de você. Essa é uma questão fundamental para a psicanálise: o que você pode fazer de si mesmo a partir de tudo que fizeram de você. Freud ressaltou essa responsabilidade individual ao lançar sua famosa pergunta a uma paciente: “qual a tua parte na desordem da qual tu te queixas?”.

Assim como Stitch, não precisamos aceitar o que fizeram de nós e simplesmente repetir. Em um tratamento psicanalítico, o sujeito é incluído ativamente ao ser convocado a deslocar de alguma forma a posição na qual se encontra e, a partir disso, pode encontrar maneiras mais interessantes de viver.

Então, o lugar de onde você veio, a maneira como você foi criado e educado até importam, mas a questão sobre a qual você tem alguma ingerência é: o que você tem a ver com a sua história? O que é possível fazer com ela?

Texto por Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga

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