Precisamos estranhar alguns hábitos para poder modificá-lós

Uma criança pequena não tem condições de decidir sobre uma compra, a não ser que o adulto responsável por ela lhe dê a opção da escolha


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Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga (Foto: Tiago Silva)

Levei minha filha de cinco anos para escolher um calçado em uma loja. Eu havia me proposto a gastar até um limite de valor, então já direcionei um pouco as opções.

Acabei me encantando por um tênis que ela também gostou e extrapolei meu limite porque achei que valia o preço. Quando estava concluindo a compra, a vendedora começou a pendurar algumas bolsinhas nos ombros da minha filha, colocar tiaras em seu cabelo, tentando agregar mais algum produto àquela venda.

Minha filha ficou um pouco balançada pelas ofertas, mas eu me mantive firme na proposta de levarmos somente o calçado, e assim fizemos.

A situação parece trivial, mas me causou um incômodo que só entendi um tempo depois, quando me dei conta do quão acostumados estamos a esse tipo de abordagem, a ponto de nem percebermos. E não é que a vendedora tenha agido de maneira insistente, ela foi extremamente gentil, o que me gerou estranhamento foi o fato de um adulto se dirigir a uma criança pequena, em uma relação comercial, como se a menina tivesse condições de decidir o que comprar.

Permitimos que comerciais de televisão capturem nossos filhos, que vendedores os abordem diretamente oferecendo produtos, que qualquer pessoa lhe ofereça um doce. Já ouvi relatos de mães que ficaram sem jeito de recusar um pirulito, quando não queriam que o filho comesse. Então, preserva-se o outro adulto da frustração em prol de que mesmo? E que mensagem será que você transmite ao seu filho quando aceita ou se submete a algo apenas para não desapontar o outro?

Experimente propor o seguinte a uma criança: você prefere tomar um sorvete agora ou deixar para amanhã? Ela sempre vai optar pelo agora, por aquilo que está mais próximo, porque ela ainda não tem capacidade – e nem se espera que tenha – de postergar muito o prazer. Isso vai se desenvolvendo aos poucos, com o passar dos anos, e nem é garantia que aconteça, basta ver a quantidade de adultos que não conseguem esperar.

Precisamos estranhar alguns hábitos para poder modificá-los. Uma criança pequena não tem condições de decidir sobre uma compra, a não ser que o adulto responsável por ela lhe dê a opção da escolha. Não forcemos nossos filhos a crescerem antes da hora sob a justificativa de que assim eles estarão mais fortes e aprenderão a se defender. Precisamos protegê-los dos abusos do mundo para que cresçam na melhor velocidade possível e daí sim, amadureçam de dentro pra fora, e não o contrário.

Texto por Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga 

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