Meritocracia, mito da democracia racial e síndrome de superioridade

Já passou do tempo, dos racistas serem presos e condenados pelos crimes que cometem, porque às vezes, a cor da pele, é o suficiente para prender alguém injustamente, então que seja também símbolo de resistência


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Foto: Freepik

Estes são termos que a maior parte da população possivelmente não iria acessar
senão através desse canal de comunicação, que criamos. Mas são alguns dos
pilares que estruturam o racismo e fazem com que a desigualdade permaneça tão
latente no nosso país. Já trouxe aqui, diversas vezes, índices sociais de como a
população negra mantém-se à margem da sociedade, e também os poucos casos
de pessoas negras que ascendem ao poder, e que mesmo assim continuam lutando
contra o preconceito, porque a sociedade não concebe que as pessoas negras
possam ser bem sucedidas. Porque historicamente, criou-se uma síndrome de
superioridade a população branca, que foi estatalmente beneficiada e convidada
para vir ao Brasil, dentro de políticas de branqueamento da sociedade brasileira,
que acabou tornando-se muito negra, por conta do sequestro de negros em África, e
a época acreditava-se que o extermínio desta população seria a forma de civilizar o
país, mas para não eliminá-los, todos ao mesmo tempo, criou-se políticas de
incentivo somente para pessoas brancas, onde recebiam inclusive terras para
estarem no país, com o propósito de terem filhos com pessoas negras, fazendo com
que os indivíduos aqui nascidos, tivessem a pele mais clara, e este plano, previa
inclusive o branqueamento total da população, em no máximo um século.

Ou seja, na cabeça dos governantes e escravistas da época, em 1988 não haveria mais
pessoas negras no Brasil. E essa construção social, fez com que as pessoas
brancas acreditassem que realmente são superiores às pessoas negras, e que a
população negra apenas existiu enquanto precisava os servir, depois poderiam
morrer à própria sorte. Mas como diz Conceição Evaristo “Eles combinaram de nos
matar, e nós combinamos de não morrer”.

E dessa estrutura problemática, surge a meritocracia, que é uma construção
através do uso do discurso de que todos temos as mesmas oportunidades, basta
esforçar-mo-nos que atingiremos os mesmos resultados, mas sempre que eu ouço
esse discurso, eu questiono: você realmente acredita, que eu, uma mulher negra,
que apesar de viver em uma família bem estruturada e organizada financeiramente,
perdi meu pai aos 17 anos, e não tenho mais nenhum dos meus avós vivos, tenho a
mesma organização familiar que colegas brancos que convivem até hoje com os
bisavós, sem terem enfrentado nenhuma perda na família, que (graças a Deus) não
conhecem a dor do luto? Ou que então, possuem desde a primeira infância, um
espaço específico para desenvolver suas atividades escolares, com uso de
tecnologias, livros, e muitas vezes, de uma pessoa disponível para acompanhá-las e
ajudá-las nesta atividade, se desenvolverá da mesma forma que uma criança que
chega da escola e não tem o que almoçar em casa, porque não tem avós para
ampará-los e os pais precisam estar trabalhando em turno integral, porque com a
mesma qualificação e função que um colega branco, recebem um salário inferior?
Normalmente a gente não pensa nestes cenários, porque muitas vezes eles não
estão à frente dos nossos olhos, e como o ditado diz “o que os olhos não veem o
coração não sente”, mas muitos corações, estão dilacerados, e cansados, por terem
que viver cada dia uma batalha, se desdobrando entre dois trabalhos, ensino
noturno, 4 horas de sono, para dar conta de ter acesso, ao que muitos consideram
básico, como um ensino superior, ou uma pós-graduação.

E a disparidade de oportunidades é que derruba por terra o conceito de democracia racial, que é o conceito que cria discursos como de que “todos somos iguais” “eu não vejo cor,
todos somos humanos”, mas os mesmos indivíduos que reproduzem essas falas
não contratam pessoas negras em suas empresas, porque acreditam que pessoas
negras são mais descuidadas.

Outra forma de verificar que esse discurso não passa de um mito, é quando
refletimos sobre a formação acadêmica da nossa família, enquanto em famílias
brancas, até os avós conseguiram “sair da roça” para estudar, nas famílias negras,
as gerações atuais conseguiram acessar o ensino formal básico, porque uma
escolinha pequena, foi construída na localidade onde moravam, e mesmo assim,
ainda hoje, trabalham em grandes empresas, de pessoas brancas, que as cobram
por produtividade e proatividade. Não é à toa que nos últimos anos registrou-se
tantos casos de exaustão mental, depressão e ansiedade. A todo tempo somos
bombardeados com discursos como: Se você se esforçar o suficiente, você
consegue ser igual fulano. E para as pessoas negras, essa ascensão social, é uma
das tentativas para combater as violências que sofre, porque acredita-se que em
ambientes mais “refinados” haverá mais respeito.

Então vamos até o nosso último esforço, porque também queremos descansar, um dia. E essa carga excessiva acaba nos matando. Por isso, é importante conhecermos esses termos e conceitos, para que possamos combatê-los, e tornar a sociedade mais responsável quanto a discriminação de pessoas negras. Porque as mesmas pessoas brancas que gritam aos quatro ventos que todos temos as mesmas 24 horas no dia, mas nunca
precisou esperar um ônibus na chuva, para chegar a escola molhado e com frio,
porque seu pai, com seu carro, o deixava na porta da escola, não vai conseguir
fazer essa construção sozinho. Mas para isso, eu estarei aqui, todas as
segundas-feiras afirmando: Não somos todos iguais, e nem queremos ser! Mas
exigimos respeito, então, parem de planejar nos matar.

Texto por Nadini da Silva, advogada e mestranda em Ambiente e Desenvolvimento

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