A continuidade do amor que não termina com a morte

Quando perdemos pessoas amadas, criamos formas de mantê-las por perto, mesmo que seja através de presenças que fantasiamos com as memórias do coração


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Foto: Dirce Becker Delwing

Meu irmão Marcelo sempre gostou de peixes. Peixes em aquários, peixes de estimação. Teve um tempo em que esteve empenhado na construção de pequenos lagos. Chegou a fazer um na moradia da nossa mãe, em Santa Clara do Sul. No período em que ela esteve doente e não podia mais caminhar, ele empurrava a cadeira de rodas bem perto da água para que a mãe pudesse ver os peixinhos nadando, pequenos filhotes de carpas japonesas.

Ela faleceu em 2017. Quando fechamos a casa, meu mano transferiu os peixes para um lago que construiu no pátio da empresa da qual é sócio na cidade de Estrela. O espaço, que ele cuida com especial zelo, chama a atenção das crianças. Adultos também apreciem, contudo, com olhos muito mais exigentes. Teve um dia em que uma pessoa publicou uma crítica. As carpas pareciam grandes demais para ficarem ali. De certo modo, mesmo sem qualquer fundamentação teórica, a pontuação fazia sentido. Mas, como colocar os peixes num açude se eles nunca procuraram seu próprio alimento, se nunca viveram num lugar desprotegido? Dificilmente, iriam sobreviver. Diante desse contexto, meu mano não tirava os olhos deles para garantir que estivessem saudáveis. Quanto trabalho em função de um hobby, a gente poderia pensar. Eu mesma já tive pensamentos de tal ordem.

Nas últimas semanas, em função do forte temporal que atingiu a região, assim como em tantos outros estabelecimentos comerciais e residências, a empresa onde está o laguinho ficou sem energia por muitas horas. Alguns peixes morreram porque a bomba que fazia a oxigenação da água parou de funcionar. Outro dia, meu mano me enviou uma foto dos peixes mortos e outra foto onde aparece a nossa mãe, na cadeira de rodas, olhando atentamente para o lago. Nessa hora, senti um aperto no peito.

Tive a sensação de que mais um restinho da nossa mãe tinha ido embora. Então pude compreender porque meu mano passa tanto tempo diante daquele pequeno lago. Isso me faz lembrar de uma frase que tem sentido semelhante, de autoria do artista uruguaio Carlos Páez Viláró, e que está no livro “Entre mi hijo, y yo, la luna”: “Cada vez que vejo a lua, penso que meus pais também estão olhando para ela e isso me mantém junto a eles”.

Quando perdemos pessoas amadas, criamos formas de mantê-las por perto, mesmo que seja através de presenças que fantasiamos com as memórias do coração.

Texto por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica

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