A vida está nas nuvens e na palma da mão

O conteúdo do nosso bolso transferiu-se para o celular


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Ivete Kist (Foto: Fernanda Kochhann)

O Brasil vive boa fase em relação ao emprego da população economicamente ativa. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego caiu para o patamar mais baixo, desde o trimestre terminado em fevereiro de 2015. Está em 7,7%. O fato é muito positivo. Tanto mais, num ambiente em que há profissões em extinção. É o que vem acontecendo com datilógrafos, telefonistas, cobradores de ônibus, funcionários de bancos, entre outros.

Vamos ficar com este último caso. A revolução trazida pela internet afetou diretamente os atendentes de bancos. Entre 2014 e 2023, as instituições fecharam quase 6 mil agências bancárias e eliminaram cerca de 70 mil postos de trabalho no Brasil, segundo dados do Dieese. Nem era preciso ouvir o Dieese para saber isso. É só visitar uma agência bancária para enxergar a limpa que aconteceu. Não é para menos! Agora dá para fazer tantas operações financeiras nos caixas eletrônicos ou de casa mesmo, que só casos bem particulares nos levam a comparecer na agência. Nem faz tanto tempo assim e a gente se apresentava no guichê de um caixa rotineiramente. Ia lá todo o mês, para pagar as contas mensais de água, luz e telefone, por exemplo.

A coisa mudou tanto que não precisamos mais ter dinheiro no bolso. Isso traz uma vantagem grande. Além de evitar filas de banco, abreviamos o tempo no caixa dos supermercados e nunca mais ficamos esperando pelo troco na padaria. Tudo ficou tão fácil que vamos nos acostumando à nova realidade sem esforço. Quase não lidamos mais com dinheiro vivo. É capaz de meu neto de cinco anos nem saber direito o que isso é.

Daí chegamos ao motivo de outra profissão estar em vias de extinção. Falo da profissão de batedor de carteiras. Ela está nas últimas. E olha que os caras eram especialistas. Tinham a mão treinada para ser leve. Conseguiam surrupiar as nossas coisas num piscar de olhos e sem que se notasse. Se a categoria tiver um sindicato, os dirigentes devem estar arrancando os cabelos em busca de alternativas. Sucede que não andamos mais com a carteira por aí. Talvez nem tenhamos mais carteira. Aliás, os fabricantes de carteiras também devem estar migrando para outras áreas.

Onde foi parar aquilo que costumávamos levar no bolso? O conteúdo do nosso bolso transferiu-se. Foi parar no celular.

Lá estão a carteira de motorista, o certificado de vacinas, a carteira de trabalho, o título de eleitor, o CPF, a Carteirinha SUS, e os cartões bancários, claro. Paga-se qualquer conta com o celular, do cafezinho à prestação da casa. O resultado é que o celular substitui exatamente o alvo dos batedores de carteiras.

Hoje temos de cuidar é do celular. Nossa vida está depositada no celular: documentos, fotografias, acesso à conta bancária, tudo. Não há objeto mais indispensável do que ele.
Em favor da segurança, surgiu a possibilidade de replicar na nuvem os nossos dados. Até já apareceram carreiras novas. Há engenheiro de nuvem, há gerente de nuvem. Eles devem contribuir para a alta do número de empregados no Brasil… Por uma quantia módica, transfere-se para a nuvem o estoque das informações mais preciosas. Quase dá para dizer que nossa vida anda nas nuvens… Daqui a pouco, certamente, vamos ficar sabendo que os ladrões se mudaram para lá.

Talvez até já estejam e eu é que não sei.

Texto por Ivete Kist, professora e escritora

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