Às vezes, julgamos o outro mais forte do que é

Falamos em força, em superação, em resiliência, mas nem todas as pessoas reagem da mesma forma aos eventos catastróficos


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Foto: Ilustrativa

Faz uns sete anos que ganhei uma planta que me acompanhou até alguns dias atrás. Minha irmã me presenteou com ela quando iniciei meu trabalho na clínica de psicoterapia. Como eu não ia todos os dias para o consultório, regava a planta quando dava, e ela ia se virando sem minha presença. Quando me mudei, levei-a para casa por um tempo, depois ela me acompanhou em outro consultório até chegar ao meu local de trabalho atual. A planta passou por todos esses lugares e se adaptou às diferentes condições que encontrava: mais sol, menos sol, muita luminosidade, pouca luminosidade, temperatura natural, ar condicionado, muita água, pouca água.

Mas a questão é que o fato de ela ter passado por tantas situações diferentes e ter sobrevivido a todas me levou a acreditar que a tal planta nunca morreria, independentemente do tratamento que eu desse a ela. Confesso que não sou muito cuidadosa com plantas, meu negócio mesmo é cuidar de gente.

Quando a regava, sempre era complacente comigo em pensamento: “Ah, dei muita água! Não faz mal, ela aguenta”; “ih, esqueci de dar água; não tem problema, ela sobrevive”.
Mas o que aconteceu foi que, de uma hora pra outra, a planta não aguentou. Até tentei fazer algo, mas foi tarde. Meu cuidado chegou atrasado, e a planta morreu. Então compreendi que eu a supus mais forte do que ela conseguiu ser.

Assim também acontece com as pessoas que por fora demonstram estar vivas, parecem estar bem, mas por dentro sentem dores inimagináveis, vão definhando, até que não reste mais nada a fazer.

Minha plantinha deve ter sofrido bastante antes de se entregar. Eu tratava ela como as outras, não enxerguei suas particularidades: não toquei nela, não observei sua coloração, não apalpei a terra. Acreditei que ela superaria tudo, que como uma boa brasileira, não desistiria nunca.

Passada a fase mais caótica da tragédia que vivemos aqui no RS, precisamos ficar muito atentos aos sinais que podem ficar à mostra nos detalhes do cotidiano. Falamos em força, em superação, em resiliência, mas nem todas as pessoas reagem da mesma forma aos eventos catastróficos. É fundamental cuidar de quem não consegue fazer isso sozinho. E para isso, o primeiro passo é observar as demonstrações – explícitas ou implícitas. Às vezes, é no detalhe que a dor se revela.

Texto por Tamara Bischoff, jornalista e psicóloga

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