Cota não é esmola

Qual a relação entre a escravização e a necessidade de reparação história


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Foto: Freepik

Durante os anos de 1500 e 1900, como traz Cod Bento em seu livro “O pacto da branquitude” mais de 18 milhões de africanos foram escravizados por europeus ao redor do mundo. Diferente do cenário atual, neste período, os continentes africano e asiático eram muito ricos. No entanto com a escravização do seu povo, estes se tornaram pobres, ainda tendo dificuldades financeiras e organizacionais até os dias de hoje.

Registros do período, apontam que um escravizado trabalhando em uma plantação podia chegar a ser 130 vezes mais lucrativo do que um cidadão inglês, na Inglaterra. O que logicamente deveria ter gerado muito mais poder para as pessoas pretas, e seus descendentes, porque estes eram merecedores dos lucros que traziam aos seus senhores, mas ao invés disso, receberam como “pagamento” leis como a do Sexagenário, que libertava escravizados que sobrevivessem até os 60 anos a crueldade e o trabalho extremamente exaustivo. E quando liberto, era jogado às margens da sociedade, porque se hoje temos um grande problema com a subjugação da pessoa idosa, imaginem naquela época. Ainda pode-se citar a lei do ventre livre, que obrigava ao governo a indenizar os senhores de engenho que
possuíssem escravizados nascidos no Brasil, que foram libertos, mas permaneciam sob custódia desse mesmo senhor, que podia fazer com aquela criança, o que bem entendesse, porque era uma de suas propriedades. E essas indenizações nunca retornaram para o Estado brasileiro, mas as famílias latifundiárias continuaram crescendo e por isso, perpetuam até os dias de hoje, concentrando a maior parte do capital, desde a época escravagista.

Dados apresentados na Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban na África do Sul, reconheceu a escravização e o comércio de pessoas no Atlântico um crime contra a humanidade, e nem assim, os beneficiários desse crime, foram punidos. Em 1883 Luiz Gama estimou que a dívida com as pessoas escravizadas seria de mais de um trilhão de reais. No entanto, até hoje, aqueles que se beneficiaram da escravização de pessoas, não foram responsabilizados ou cobrados.

E de que forma esperavam que as pessoas negras adquirissem poder de capital? Se quando libertas estavam doentes, ou enfraquecidas pelos anos de trabalho escravo. E foi por essa falta de possibilidade de construir capital, que passaram a existir as ações afirmativas e
políticas de reparação, para que de alguma forma as pessoas negras pudessem sair da margem social e ter o controle de suas próprias vidas.

No entanto esta prática ainda é extremamente questionada, pelas pessoas que não conseguem compreender que se beneficiam a mais de três séculos da mão de obra negra, e que estas pessoas não chegam aos mesmos lugares que elas por falta de interesse ou esforço, mas sim, por falta de condições mínimas!

Já ouvi discursos como: mas se não tem dinheiro para fazer uma faculdade presencial, faz uma EaD, como se todas as pessoas possuíam acesso a internet. e mesmo que na nossa realidade extremamente privilegiada isso pareça um grande absurdo, existem milhares de pessoas que não tem essa ferramenta a sua disposição, não porque quer ser “legais” e desconectadas, é porque com o salário que ganham trabalhando em 3 turnos, só conseguem comprar comida, e pagar contas essenciais, como água e luz, não sobrando dinheiro para luxos como internet!

Então quando analisarmos a questão das costas é sempre imprescindível nos despirmos dos nossos privilégios, e iniciarmos o raciocínio pela compreensão de que nem todas as famílias lucraram com a escravização, e falando em cotas e reparação histórica, é necessário reforçar que as únicas pessoas que ganharam algo de mão beijada, ou de forma facilitada, foram os senhores de engenho, em sua maioria brancos, que usaram pessoas até o seu último suspiro para enriquecer, sem nunca terem sido responsabilizadas por isso!

Texto por Nadini da Silva, advogada e mestranda em Ambiente e Desenvolvimento

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