O músico das ruas de Buenos Aires

Se o dinheiro das doações ajuda nas despesas, conforme o próprio pai admite, a satisfação maior está em poder mostrar o talento do “hijo”


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Foto: Arquivo pessoal

Raul Sória tem 68 anos. Mora com o filho na região de San Telmo, na cidade de Buenos Aires. De domingo a domingo, você o encontra nas imediações do cemitério da Recoleta. Ele faz companhia ao filho Mitchell Soria Ávila, de 15 anos, que é músico e toca violino na entrada do Cemitério da Recoleta.

Segundo o pai, a rotina é alterada no período das aulas, quando as apresentações acontecem somente aos domingos. Mitchell estuda na escola regular, e, desde os sete anos de idade, é aluno do Conservatório de Música Manuel de Falla. Também integra a Orquestra Juvenil da Rádio Nacional.

Se o dinheiro das doações ajuda nas despesas, conforme o próprio pai admite, a satisfação maior está em poder mostrar o talento do “hijo”. Raul também é músico. É fã da banda brasileira “Paralamas do Sucesso”. Foi baterista na juventude, tocou em várias bandas, mas não podia sustentar a família com aquilo que ganhava. Trabalhou em outras atividades e conseguiu se aposentar. Não bem, ganha cerca de oitocentos e cinquenta reais se convertido para a moeda brasileira. Modesto, diz que tem o suficiente para viver tranquilo.

A história de Raul mostra o desejo de um pai que se sente realizado através das conquistas do filho. E sinaliza ao “hijo” que seu “padre” está lhe fazendo companhia no percurso. Quando os filhos percebem que seus pais reconhecem seus talentos, ficam mais confiantes diante da vida. Contudo, fica apenas um alerta. Os filhos não podem ser responsáveis pela realização dos sonhos que os pais tinham para si. Raul entende isso muito bem. Disse que jamais iria insistir se não tivesse visto que, desde muito “pequeño”, o filho revelava que tinha talento para a música. A maior herança que o “hijo” poderia herdar de um pai artista que não teve a oportunidade de viver da sua arte. Uma homenagem, um reconhecimento, uma forma de perpetuar um sonho que tinha ficado para trás.

Texto por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica 

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