Se eu pudesse escolher minha mãe como filha

A velhice dos pais pode ser uma oportunidade de aproximação, de compreensão, de retribuição


0
Foto: Arquivo pessoal

Minha menina me entregou um buquê de flores com um poema, que ela elaborou inspirada num texto que viu na internet, de autoria não referida. Fiquei emocionada porque tive a impressão de que ela poetizou as faltas que tive na vida, as dores que fizeram feridas na infância, os sonhos que permanecem dormindo nas noites que o tempo já levou. Alice é sensível e consegue enxergar as marcas de uma mãe imperfeita, que tem uma história de vivências soletradas de afetos que nem sempre foram bons. Suponho que ela também esteja querendo dizer que a mãe da mãe, no caso a avó dela, também teve o seu testamento de heranças afetivas. O poema que Alice me entregou com as flores, assim diz:

“Se eu nascesse de novo, e, se pudesse escolher ser outra pessoa, eu certamente escolheria ser a mãe de minha mãe.


ouça o comentário

 


Eu daria a ela todos os beijos e colos dos quais ela sentiu falta na infância. Eu compraria uma maçã do amor porque ela adora, uma boneca de pano e uma bolsa a tiracolo. Eu cantaria músicas, inventaria cantigas de ninar e mostraria as estrelas. Brincaríamos de faz de conta, de pega-pega e de montar cabaninha com a coberta.

Se eu fosse mãe da minha mãe, eu pentearia seu cabelo todas as manhãs, faria tranças, colocaria laços coloridos e lhe daria uma merenda deliciosa pra comer na escola. Cuidaria dos seus dentes, compraria um par de óculos estiloso e um pote de chicletes tutti frutti. Eu zelaria para que ela não precisasse chorar tanto e, assim, não iria crescer costurando seu coração com linhas tristes. Ela seria uma garota feliz, uma mãe alegre e, anos mais tarde, uma avó cheia de boas lembranças pra compartilhar.

Foto: Arquivo pessoal

Se pudesse ser outra pessoa, seria mãe da minha mãe, mostraria como é maravilhoso acordar todas as manhãs ao seu lado. Se eu amo tanto ser sua filha, também gostaria de ter a oportunidade de ser a sua mãe”.

Quando terminei de ler o texto, disse a ela que, quando a idade dos pais avança, a ordem de cuidado se inverte. Chega a hora em que os filhos seguem até o quarto caminhando na ponta dos pés para ver se a mãezinha ainda está dormindo, se ainda continua respirando. Porque a vida se dá em ciclos. Alice ouviu a conversa e argumentou que eu não parecia me sentir muito confortável quando tive que começar a dar comida na boca da minha mãe. Ela tem razão. Nem sempre a gente lida tão bem com a inversão de papéis. Por outro lado, a velhice dos pais pode ser uma oportunidade de aproximação, de compreensão, de retribuição. E, pensando assim, se eu nascesse de novo, também queria ser mãe da minha mãe.

Texto por Dirce Becker Delwing, jornalista, psicóloga e psicanalista clínica 

DEIXE UMA RESPOSTA

Digite seu comentário!
Por favor, coloque o seu nome aqui