Sorvete e feminismo, qual a relação?

No Brasil, antes do sorvete, as mulheres eram proibidas de entrar em bares, cafés, docerias, confeitarias… para saboreá-lo, entretanto, a mulher praticou um de seus primeiros atos de rebeldia contra a estrutura social vigente


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Foto: Ilustrativa / Freepik

Segundo lenda popular, o sorvete foi inventado pelos antigos chineses e trazido para a Itália por Marco Polo, para a França por Catarina de Médici, e daí para a América por Thomas Jefferson. A verdade, no entanto, é um pouco mais difícil de descobrir.

Bebidas e sobremesas geladas existem desde pelo menos 4000 a.C., quando nobres ao longo do Rio Eufrates construíram casas de gelo para aliviar o calor do verão da Mesopotâmia. Neve, provavelmente usada para resfriar vinho, era vendida nas ruas de Atenas no século V a.C., enquanto o imperador romano Nero (37–67 d.C.) apreciava refrescos gelados misturados com mel. Fontes da dinastia Tang na China descrevem uma bebida doce feita de leite de búfala gelado e cânfora.


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Refrigerantes gelados também eram populares no mundo islâmico. A palavra inglesa sherbet vem do termo turco para uma ampla categoria de bebidas adoçadas, geralmente resfriadas com neve de armazéns. Faloodeh, uma iguaria persa de macarrão vermicelli em calda gelada, remonta a séculos. Na Índia, os imperadores Mughal saboreavam kulfi, um quase sorvete feito de leite condensado congelado em formas.

De fato, os primeiros registros verificados de kulfi são quase contemporâneos com as primeiras evidências de sorvetes e sorvetes congelados na Europa. Em ambos os casos, o que tornou essa descoberta possível foi o conhecimento (familiar para muitos no mundo árabe desde o século XIII) de que gelo misturado com sal acionava uma reação química exotérmica, que criava uma pasta sugadora de calor com um ponto de congelamento muito mais baixo do que a água típica. Imersos em um banho de salmoura exotérmica, cristais de gelo se formavam facilmente em várias misturas líquidas. Mexidos regularmente para evitar a formação de grandes cristais de gelo, resultou uma espuma congelada que podia ser retirada com uma colher.

Os primeiros sorvetes e sorvetes de água europeus (sherbets) provavelmente foram feitos na Itália no início dos anos 1600 (um século depois que a adolescente Catarina de Médici deixou Florença para se tornar rainha da França). Descrições de sobremesas com sorvete de água datam da década de 1620 e, em meados do século, eram uma característica de banquetes em Paris, Florença, Nápoles e Espanha. Em 1672, o inglês Elias Ashmole registrou que “um prato de sorvete” havia sido servido ao rei Carlos II em um banquete no ano anterior. Em 1694, Antonio Latini, um mordomo napolitano, publicou uma receita de sorvete de leite com abóbora cristalizada.

O sorvete cruzou o Atlântico com os colonos europeus e foi servido pela primeira-dama da colônia de Maryland já em 1744. George Washington comprou uma máquina de sorvete mecânica para sua propriedade em Mount Vernon em 1784, o mesmo ano em que Thomas Jefferson provavelmente adquiriu o gosto por sorvete francês enquanto servia como diplomata em Paris. Enquanto presidente, Jefferson serviu sorvete na mansão executiva pelo menos seis vezes.

O cone de waffle ganhou fama quando foi lançado na Feira Mundial de St. Louis em 1904, e o picolé foi patenteado em 1923. Tanto a Dairy Queen quanto a empresa Carvel afirmam ter desenvolvido o primeiro sorvete soft em meados da década de 1930, enquanto o iogurte congelado foi um produto tardio, lançado na década de 1970.

Foram os cariocas os primeiros brasileiros a experimentar a delícia gelada que já fazia sucesso em boa parte do mundo. No dia 23 de agosto de 1834, Lourenço Fallas inaugurava na cidade do Rio de Janeiro, dois estabelecimentos – um na atual Praça XV e outro na Rua do Ouvidor – especialmente destinados à venda de gelados e sorvetes. Para isso, importou de Boston (EUA), pelo navio americano Madagascar, 217 toneladas de gelo, que aqui foi conservado envolto em serragem e enterrado em grandes covas, mantendo-se por 4 a 5 meses. Não demorou muito para os sorvetes brasileiros ganharem um toque tropical, misturados a carambola, pitanga, jabuticaba, manga, caju e coco.

Na época, não havia como conservar o sorvete gelado, por isso ele tinha que ser consumido logo após o preparo. Por isso, as sorveterias anunciavam a hora certa de tomá-lo. Em São Paulo, a primeira notícia de sorvete que se tem registro é de um anúncio no jornal A Província de São Paulo, de 4 de janeiro de 1878, que dizia: “Sorvetes – todos os dias às 15 horas, na Rua direita nº 14”.

“No Brasil, antes do sorvete, as mulheres eram proibidas de entrar em bares, cafés, docerias, confeitarias… Para saboreá-lo, entretanto, a mulher praticou um de seus primeiros atos de rebeldia contra a estrutura social vigente, invadindo bares e confeitarias, lugares ocupados até então quase que exclusivamente pelos homens. Por isso, entre nós, o sorvete chegou a ser considerado o precursor do movimento de liberação feminina.”

A evolução do sorvete no Brasil, deu-se a passos curtos, de forma artesanal, com uma produção em pequena escala e em poucos locais. A distribuição em escala industrial no País só aconteceu a partir de julho de 1941, quando, nos galpões alugados da falida fábrica de sorvetes Gato Preto, na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada a U.S. Harkson do Brasil, a primeira indústria brasileira de sorvete. Contava com 50 carrinhos, quatro conservadoras e sete funcionários. Seu primeiro lançamento, em 1942, foi o Eski-bon, seguido pelo Chicabon. Seus formatos e embalagens são revolucionários para a época. Dezoito anos mais tarde, a Harkson mudou seu nome para Kibon.

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